Apesar de já ter diminuído consideravelmente a minha lista de possíveis profissões, o "ser ou não ser" aumentou - e em P.G.! Escolher uma profissão, escolher um futuro, quando mal sabemos escolher presentes de Natal, não faz o menor sentido!
No fundo, selecionar um curso da faculdade racionalmente é pouco diferente de fazer unidunitê. Por mais que saibamos as matérias, os horários e as carreiras que preferimos, não podemos experimentar isto. Quero dizer, sabemos do que se trata, mas não sabemos o que é.
É como escolher entre um troço de chocolate e um troço de azeitona. Podemos pensar "Oras, eu odeio azeitona e adoro chocolate. É óbvio que vou preferir o chocolate!" e o tal troço ser um molho para salada. O vestibular é mais ou menos isto. Apesar de pensarmos que tal curso tem matérias mais interessantes, ou que aquele outro vai nos dar um futuro melhor, não temos a vivência de nada, simplesmente não podemos saber o que é o certo para nós (e há um certo?). Como eu disse ainda no início do segundo parágrafo, acabamos jogando os dados do acaso in disguise outra vez.
O meu problema maior nem é este - até porque todos o têm -, mas sim o meu azar crônico. Se estou à mercê da boa vontade divina, já estou previamente sentenciada ao ridículo.
Por isso (ou pelo que os budistas chamariam de dukkha - a insatisfação inerente ao ser humano), escolhendo psicologia vou sempre pensar que devia ter feito jornalismo. E escolhendo jornalismo, continuarei a imaginar um outro eu como psicanalista... ∞
Logo, não há muito o que fazer. QUE VENHAM OS DADOS!
De preferência antes que eu enlouqueça.
___________________________________________________________________
Thaís de Carvalho acha que todos os dados estão viciados. E que ela também está (em existencialismo barato).
sábado, 22 de dezembro de 2007
sábado, 15 de dezembro de 2007
Dúvida cruel
Se Papai do Céu não leu minha lista de pedidos, será que Papai Noel lerá?
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Thaís sabe que não.
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Thaís sabe que não.
terça-feira, 27 de novembro de 2007
Poessíntese
Não tinha reparado naquela nódoa de tinta preta que manchava o meio da folha. Tão pequenina era que, mesmo assim, o poeta escreveu ali. Só a atingiu depois de preenchidas dez linhas, e a marquinha cresceu um bocado quando o fez; evoluíra para "borrão". Achando que a mancha daria realismo à obra, o escritor continuou. Porém a nódoa crescia junto, sem precisar de contato direto com a ponta da caneta. Crescia e engolia duas, três palavras. O autor assustou-se: teria gerado uma rima autófaga? Seria capaz de satisfazê-la? Receoso, parou de compor para observar. Talvez a fome da mancha estancasse no fim da estrofe...
Trágico engano. Nem o fim da poesia foi suficiente. Desesperado, o autor começou a escrever tudo o que podia, tudo o que vinha à sua cabeça, com a rapidez e a urgência de um louco, mas a nódoa só fazia comer e comer. Dias a fio passaram assim. Da esferográfica do poeta já não saíam mais rimas, só palavras que, para ele, eram líricas o bastante para saciar qualquer criatura.
Sorriso
Flor
Canção
Lua
Doce
Abraço
Amor
Sonh...
A caneta caiu silenciosamente sobre a folha - que a essa altura era totalmente preenchida pela mancha e por palavras espremidas às pressas, quase ininteligíveis. O escritor perecera; não por fome, ou sede, ou cansaço, mas porque sua inspiração - seu elixir! - fora regurgitada sobre aquela página maculada. E a mácula tranformou-se num buraco negro, numa peste negra, que devorava e destruía todo e qualquer lirismo à sua volta. Primeiro as palavras soltas, depois o caderno, depois os arquivos e os livros, depois o próprio cadáver do poeta. Como se não bastasse, destruiu também a cidade, porque ela é o combustível da imaginação artística. Destruiu as crianças e a prosopopéia, cuja alegria enchia os versos de graça. As flores, os perfumes, os sabores, a sinestesia. Destruiu os oceanos e o cromatismo, transformou-os em cor de nanquim. O belo, o feio, a antítese... sugou-os com avidez. Até o verbo destruir ela comeu, porque comeu de tudo, inclusive dela mesma.
E quando a mancha dominou o espaço-tempo, quando engoliu as galáxias e os universos paralelos, então a mancha me destruiu também, e destruiu o fim dessa narração infinita.
Trágico engano. Nem o fim da poesia foi suficiente. Desesperado, o autor começou a escrever tudo o que podia, tudo o que vinha à sua cabeça, com a rapidez e a urgência de um louco, mas a nódoa só fazia comer e comer. Dias a fio passaram assim. Da esferográfica do poeta já não saíam mais rimas, só palavras que, para ele, eram líricas o bastante para saciar qualquer criatura.
Sorriso
Flor
Canção
Lua
Doce
Abraço
Amor
Sonh...
A caneta caiu silenciosamente sobre a folha - que a essa altura era totalmente preenchida pela mancha e por palavras espremidas às pressas, quase ininteligíveis. O escritor perecera; não por fome, ou sede, ou cansaço, mas porque sua inspiração - seu elixir! - fora regurgitada sobre aquela página maculada. E a mácula tranformou-se num buraco negro, numa peste negra, que devorava e destruía todo e qualquer lirismo à sua volta. Primeiro as palavras soltas, depois o caderno, depois os arquivos e os livros, depois o próprio cadáver do poeta. Como se não bastasse, destruiu também a cidade, porque ela é o combustível da imaginação artística. Destruiu as crianças e a prosopopéia, cuja alegria enchia os versos de graça. As flores, os perfumes, os sabores, a sinestesia. Destruiu os oceanos e o cromatismo, transformou-os em cor de nanquim. O belo, o feio, a antítese... sugou-os com avidez. Até o verbo destruir ela comeu, porque comeu de tudo, inclusive dela mesma.
E quando a mancha dominou o espaço-tempo, quando engoliu as galáxias e os universos paralelos, então a mancha me destruiu também, e destruiu o fim dessa narração infinita.
quinta-feira, 22 de novembro de 2007
O assassinato de Teddy
Caminhava o cão com o urso na boca. Caminhava com o rabo abanando, anunciando a presa capturada. Caminhava e invertia a ordem da cadeia alimentar. Mas que covardia, que cachorro pimpão! O urso é de pelúcia! O urso não é do cão!
Acontece que o bicho de brinquedo não pode reagir ao ataque fajuto do bicho de verdade. E assim o pobre ursinho era arrastado pelo chão de taco, com a perna babada dependurada na boca do cão.
Claro que o nosso amigo peludo - o de verdade - não queria fazer mal. Nem inverter a ordem da cadeia alimentar ele queria. Era só travessura, brincadeira inocente... Cachorro sapeca não tem ciso nem juízo. Cheio de boas intenções, o cão pretendia esconder o brinquedo do menino chorão. O menino chorão é o dono do urso. O menino chorão é o dono do cão.
Mas havia um pedaço de madeira solto (nunca confie num chão de taco!) e a madeira sim; a madeira era malvada! Prendeu a costura do pecoço do urso e, junto, acabou por prender o cão também. Só que bicho de verdade não se deixa agarrar. Bicho que é bicho luta pela liberdade!
Logo, o cão - que é bicho, e tem orgulho de sua bicheza - rosnou feroz, mordendo a (dupla) vítima ainda mais forte com seus dentes caninos. Puxa pra lá! Puxa pra cá! E a pelúcia jorrou da cabeça do ursinho. E o ursinho caiu decapitado no chão.
Que tristeza de cena! Pobrezinho do cão! Sem saber o que fazer, a vítima indireta do ataque fatal escondeu a cabeça da vítima direta sob o sofá. E escondeu-se junto, envergonhado da travessura.
Quando o menino chorão chamou o amigo peludo (o de verdade) para brincar, este não respondeu. O menino desconfiou. Chamou de novo e nada. De novo e nada. E nada.
Cadê?
Mobilizou toda a família quando abriu o berreiro.
Cadê? Cadê?
Tá aqui, debaixo do sofá.
Encontra-se o réu, encontra-se a cabeça do urso degolado. Degolado!? Cachorro mau! Muito mau!
Novo berreiro.
Calma, tem conserto. É só achar o corpo.
Arma-se outro mutirão de busca. A família em polvorosa.
Mamãe urso encontra a cena do crime, onde jaziam pelúcia e corpo. A madeira, ursicida descarada, passou despercebida; afinal, quem poria a culpa num mísero soalho?
Mamãe jura operar o moribundo. Diz que ele perdeu muita pelúcia, mas há salvação.
O cão, coitado, é expulso da sala de espera. "Xô, xô, chispa". É levado à força pela coleira vermelha. Apesar de estar chovendo na varanda, este é o cárcere escolhido. Sentença: solidão e frio. "Feio! Mau!", acusa novamente o menino chorão. O inocente lamenta sua miséria. Mas bicho, mesmo que de verdade, não consegue protestar.
E lá vai o cão arrependido à procura de abrigo. O cão com orelhas tão fartas! O cão com um osso roído. O cão com o rabo entre as patas.
Acontece que o bicho de brinquedo não pode reagir ao ataque fajuto do bicho de verdade. E assim o pobre ursinho era arrastado pelo chão de taco, com a perna babada dependurada na boca do cão.
Claro que o nosso amigo peludo - o de verdade - não queria fazer mal. Nem inverter a ordem da cadeia alimentar ele queria. Era só travessura, brincadeira inocente... Cachorro sapeca não tem ciso nem juízo. Cheio de boas intenções, o cão pretendia esconder o brinquedo do menino chorão. O menino chorão é o dono do urso. O menino chorão é o dono do cão.
Mas havia um pedaço de madeira solto (nunca confie num chão de taco!) e a madeira sim; a madeira era malvada! Prendeu a costura do pecoço do urso e, junto, acabou por prender o cão também. Só que bicho de verdade não se deixa agarrar. Bicho que é bicho luta pela liberdade!
Logo, o cão - que é bicho, e tem orgulho de sua bicheza - rosnou feroz, mordendo a (dupla) vítima ainda mais forte com seus dentes caninos. Puxa pra lá! Puxa pra cá! E a pelúcia jorrou da cabeça do ursinho. E o ursinho caiu decapitado no chão.
Que tristeza de cena! Pobrezinho do cão! Sem saber o que fazer, a vítima indireta do ataque fatal escondeu a cabeça da vítima direta sob o sofá. E escondeu-se junto, envergonhado da travessura.
Quando o menino chorão chamou o amigo peludo (o de verdade) para brincar, este não respondeu. O menino desconfiou. Chamou de novo e nada. De novo e nada. E nada.
Cadê?
Mobilizou toda a família quando abriu o berreiro.
Cadê? Cadê?
Tá aqui, debaixo do sofá.
Encontra-se o réu, encontra-se a cabeça do urso degolado. Degolado!? Cachorro mau! Muito mau!
Novo berreiro.
Calma, tem conserto. É só achar o corpo.
Arma-se outro mutirão de busca. A família em polvorosa.
Mamãe urso encontra a cena do crime, onde jaziam pelúcia e corpo. A madeira, ursicida descarada, passou despercebida; afinal, quem poria a culpa num mísero soalho?
Mamãe jura operar o moribundo. Diz que ele perdeu muita pelúcia, mas há salvação.
O cão, coitado, é expulso da sala de espera. "Xô, xô, chispa". É levado à força pela coleira vermelha. Apesar de estar chovendo na varanda, este é o cárcere escolhido. Sentença: solidão e frio. "Feio! Mau!", acusa novamente o menino chorão. O inocente lamenta sua miséria. Mas bicho, mesmo que de verdade, não consegue protestar.
E lá vai o cão arrependido à procura de abrigo. O cão com orelhas tão fartas! O cão com um osso roído. O cão com o rabo entre as patas.
quinta-feira, 15 de novembro de 2007
In memoriam
-Vem dormir com o vovô.
E eu ia desengonçada, com as pernas tortas, a chupeta de ursinho e a fralda grandes demais pra mim. Ou pelo menos é assim que vovó e o álbum de fotografias contam.
Vovô era gordinho e sorridente. Apesar disto, lembro de ter ficado com raiva quando ele e vovó brigaram. Lembro também do delicioso bolinho de bacalhau, sempre presente nas datas festivas. Lembro da época em que ele ainda trabalhava, quando os almoços em família eram uma alegre reunião.
Mas sabe do que eu não lembro? Não lembro da sua voz. Eu até tento, me esforço, mas tudo que vem à mente é o seu falar rouco dos últimos dois anos. Aquela doença maldita é muito rápida!
Começou sem conseguir engolir; aos poucos não conseguia falar; depois emagreceu, emagreceu... logo tossia todo o tempo e não respirava direito. Aí mudou cá pra casa. Respirador pra dormir. Nebulizador. Insônia, sonda, traqueostomia, várias cirurgias, vários diagnósticos, "sinto muito, é fase terminal".
Bem, terminou. Como disse o padre, "agora ele descansa". Vovô não perdeu a luta, não. Saiu herói para mim e para aqueles que acompanharam esses últimos dois anos. No meio de todo o sofrimento de ontem, os médicos ficaram boquiabertos ao notar sua persistência em tentar levantar, falar, sorrir. E ele sorriu. Seus olhinhos se abriram para ver que ainda havia gente ao seu lado. Seus olhinhos que perderam o brilho junto com a vida.
Eu diria que meu avô não morreu; só dormiu, com uma bruta hipotermia, entre a centena de flores que ornava o seu leito. E repito: vovô também não perdeu a luta. Não... só jogou a toalha porque não gosta de guerra.
Seu Luís era um homem de paz.
E eu ia desengonçada, com as pernas tortas, a chupeta de ursinho e a fralda grandes demais pra mim. Ou pelo menos é assim que vovó e o álbum de fotografias contam.
Vovô era gordinho e sorridente. Apesar disto, lembro de ter ficado com raiva quando ele e vovó brigaram. Lembro também do delicioso bolinho de bacalhau, sempre presente nas datas festivas. Lembro da época em que ele ainda trabalhava, quando os almoços em família eram uma alegre reunião.
Mas sabe do que eu não lembro? Não lembro da sua voz. Eu até tento, me esforço, mas tudo que vem à mente é o seu falar rouco dos últimos dois anos. Aquela doença maldita é muito rápida!
Começou sem conseguir engolir; aos poucos não conseguia falar; depois emagreceu, emagreceu... logo tossia todo o tempo e não respirava direito. Aí mudou cá pra casa. Respirador pra dormir. Nebulizador. Insônia, sonda, traqueostomia, várias cirurgias, vários diagnósticos, "sinto muito, é fase terminal".
Bem, terminou. Como disse o padre, "agora ele descansa". Vovô não perdeu a luta, não. Saiu herói para mim e para aqueles que acompanharam esses últimos dois anos. No meio de todo o sofrimento de ontem, os médicos ficaram boquiabertos ao notar sua persistência em tentar levantar, falar, sorrir. E ele sorriu. Seus olhinhos se abriram para ver que ainda havia gente ao seu lado. Seus olhinhos que perderam o brilho junto com a vida.
Eu diria que meu avô não morreu; só dormiu, com uma bruta hipotermia, entre a centena de flores que ornava o seu leito. E repito: vovô também não perdeu a luta. Não... só jogou a toalha porque não gosta de guerra.
Seu Luís era um homem de paz.
sábado, 10 de novembro de 2007
Quimeras¹ Indomáveis
Não é que eu não ande inspirada; tenho escrito tanto que dava pra encher um caderno, quase. Também não é exatamente falta de tempo, embora isso tenha colaborado um bocado. Acontece que eu simplesmente não consigo mais conceber finais, sejam eles felizes ou inditosos. Aliás, analisando bem a segunda frase desse texto, eu diria mais: não só poderia encher um caderno com as minhas historinhas como quase poderia escrever o meu próprio Contos Inacabados.
O negócio é que há dois tipos de personagem: o tipo I, que nasce feito Kirikou² e já faz tudo por si mesma. Aí é como se houvesse uma vozinha no seu subconsciente contando uma história pronta, cujo final já está previsto desde a primeira sentença. O tipo II é indócil; nasce meio incógnita, não conta tudo o que sabe, e manda a nossa imaginação adivinhar o resto.
-Eu entrei na sala e...
-E o que?
-Adivinha! Há! Pegadinha do malandro!
Personagens incógnitas são também muito exigentes. Batem o pé e reclamam a torto e a direito do final que a gente escolhe para elas. "Não, eu não quero andar de bicicleta até a Conchinchina!". E ai de você se não lhes respeitar a decisão! Somem, desvanecem, apagam-se, extinguem-se (e na maioria das vezes levam consigo a sua história). Lidar com essas chatices da imaginação é uma prova de suprema paciência.
Assumo que não gosto muito dessas personagens, não. Tanto é que alguns contos inacabados estão há muito intocados também. Como não sou Capitão Nascimento³ pra mandar todo mundo pro saco até que revelem o resto da história, não quero mais saber dessas criaturas pentelhas.
Então vocês - leitores - preparem-se para um ou outro final inusitado e nonsense que possa aparecer daqui por diante. E vocês - personagens insolentes - saibam que desisto de tentar satisfazer-lhes a vontade, e que não vou de jeito nenhum deixar um bando de incógnitas malcriadas felizes para sempre.
Tenho dito.
Observações:
¹ Monstro da mitologia grega com cabeça de leão, corpo de cabra e cauda de dragão que cuspia fogo; palavra comumente utilizada para representar o imaginário.
² Personagem folclórico africano. Reza a lenda que Kirikou era um menino capaz de andar e falar imediatamente após o seu nascimento. Salvou sua vila, enquanto ainda recém-nascido, destruindo os poderes da feiticeira Karaba.
³ Criatura lendária do neo-folclore brasileiro. Acredita-se ser um homem de preto que assusta satanás.
terça-feira, 16 de outubro de 2007
Vão
Vá
Vácuo
Escuro
Nada
Tudo
Medo
Insensibilidade
Calafrio
Árduo
Desejo
Pavor
Susto
Medo, medo
Vaso
Planta
Bicho
Polvo
Povo
Gente
Muita gente
Mundaréu de gente
Mundo
Trânsito
Medo
Vasto
Presença
Solidão
Mundaréu de gente
Dejá vu
Já vi
Sonho
Realidade
Dura
Nua
Crua
Vazia
Vá
Vácuo
Escuro
Nada
Tudo
Medo
Insensibilidade
Calafrio
Árduo
Desejo
Pavor
Susto
Medo, medo
Vaso
Planta
Bicho
Polvo
Povo
Gente
Muita gente
Mundaréu de gente
Mundo
Trânsito
Medo
Vasto
Presença
Solidão
Mundaréu de gente
Dejá vu
Já vi
Sonho
Realidade
Dura
Nua
Crua
Vazia
Vá
domingo, 16 de setembro de 2007
ECT e etc
Querida,
.
Como estão as coisas? Sua mãe, os meninos...
Aqui estamos todos muito bem, exceto pelo Seu Adalberto do andar de baixo, que continua roubando o caderno de esportes do nosso jornal - atitude esta que irrita imensamente meu companheiro de quarto. Quanto a mim, vou de vento em popa. As ações da empresa subiram admiravelmente, fui inclusive parabenizado pelo Eduardo na semana passada, e ele marcou uma "conversinha" para essa quinta-feira; creio poder levar algumas lembrancinhas para casa quando for visitá-los.
Mateus está indo bem na escola? E Carolzinha, já aprendeu que não se escreve cenoura com S?
Recebi - curiosamente desbotados - os desenhos que ela fez. Gostaria de ressaltar a grafia do meu nome: Carolina o escreveu com dois "esses". Ela também tornou a contar histórias sobre coelhos e senouras, e estou começando a pensar que a professora não a ensinou outras palavras senão estas.
Estranhei a ausência de desenhos do Mateus. Há alguma coisa acontecendo que eu não sei?
.
Dê um abraço nas crianças e espere por mim dia 29 de manhã;
Gustavo.
.
P.s.: Pensei ter anexado o cheque à última carta, mas parece que esqueci. Encontrei-o sob uma pilha de papéis no meu escritório e peço desculpas. Prometo enviá-lo na próxima carta - sem ser esta - sem mais delongas.
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-----------
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Querido,
.
Estamos todos bem.
Fiquei alegre em saber das novidades, especialmente da sua possível promoção. Sobre as lembrancinhas, eu quero um vestido novo e sapatos sem salto - minha coluna está em cacarecos por causa deles - que combinem com o vestido. Quanto às crianças, Carol não anda merecendo bonecas. Cismou que quer ser modelo, surrupiou minha maquiagem e até agora não sei onde a meteu. Sim, eu tenho certeza que não foi a mamãe, pois a sua filha apareceu pintada feito uma drag queen no colégio na quarta-feira e quase foi suspensa.
Tive uma conversa com a professora. Ela disse que já ensinou outras palavras, mas Carol teima em usar coelhos em todas as suas redações. A senoura já voltou a ter C, graças à analogia feita com os Coelhos, que parecem ser seu maior interesse.
Mateus por sua vez pede um jogo de computador que eu não sei escrever o nome - e ele não quer vir aqui escrever, provavelmente porque também não sabe - então quando você chegar de viagem veja com ele do que se trata.
Seu filho não mandou nenhum desenho porque ele já tem 11 anos e passou dessa fase. Aliás, encontrei uma Playboy no quarto dele outro dia e gostaria de saber se isso foi obra sua. Conversei com a professora dele, e ela diz que é perfeitamente normal (e também deu a entender que me acha neurótica, lembre-me de detalhar o acontecido quando você voltar).
Para finalizar: a coordenadora da escola anotou o telefone de um psicólogo e recomendou que levássemos a Carolina "para prevenir desvios de comportamento". Ou seja, temos mais um motivo para recear pela nossa caçula. Temo que a menina tenha herdado o gênio da minha mãe...
.
Cheia de saudades,
Marcela.
-
P.s.: Não precisa mais mandar o cheque, paguei com o dinheiro da poupança de férias. Quando você chegar, favor dar uma olhada nisso porque eu acho que fará falta.
-
P.p.s.: Você insiste em escrever cartas! E-mails são mais rápidos, mais práticos e não custam nada além da conta da internet (que a gente já paga). Da próxima vez eu me recuso a responder em manuscrito.
quinta-feira, 13 de setembro de 2007
Vitória
Embrulhada nas cortinas, de pé sobre o carpete verde-musgo, Victoria bebia dry martini.
Ao pôr-do-sol o amante se fora, deixando um chupão em sua nuca, a colcha da cama em desalinho e o dinheiro para pagar a conta do hotel - altíssima, diga-se de passagem - sobre a mesinha de centro. Ela demorou mais de uma hora para levantar, com uma dor de cabeça infernal, e perceber que ele tinha partido. Contraiu o lábio inferior em sinal de protesto, roeu a unha vermelho-escarlate do polegar esquerdo e caiu pesadamente sobre o travesseiro. Demorou mais uma meia hora para enfrentar a situação, levantar e fazer o drink.
Agora estava à janela: resignada, semi-nua, apreciando o frio que fazia os seus dentes rangerem. Por um momento observou a vidraça, procurando defeitos sem saber por quê. Tamborilou com os dedos finos o vidro, emitindo um som semelhante ao trote de cavalos. Bebeu de um só gole o restante do martini, enchendo ambas as bochechas. A cabeça, ainda reagindo aos excessos da noite anterior, pareceu girar. Caminhou meio cambaleante até a poltrona rústica no canto do quarto, apoiou a taça no chão e a cabeça nos joelhos.
O ar-condicionado produzia um ruído rouco incômodo quando Victoria pegou o telefone e ligou para a recepção, perguntando se Ricardo Lugano havia deixado alguma mensagem. "Disse pra esperar, que ele volta antes das onze". Voltava mesmo, disso ela não tinha dúvida.
Era só inventar desculpas descaradas e mirabolantes para a esposa que a consciência dele ficava leve como brisa. Contraindo o lábio inferior num ricto, Victoria roeu a unha do indicador direito. Cansada, tonta, ansiosa; deitou sobre o chão mesmo, encolhida. O carpete cheirava a lavanda - Victoria cheirava a álcool e jasmin, como um perfume mal destilado - e contrastava com os cabelos muito louros e a pele muito alva da moça que, ainda retraída, umedeceu os lábios pensando: "E se eu fosse embora?"
Imaginou um Ricardo intimamente vexado. Não sorriu ao fazê-lo, gostava muito do médico. Mas pondereu que - "eu mesma bem sei" - conseguia coisa melhor. Ao menos alguém que não hesitasse tanto, alguém menos irresoluto. Menos lascívia e mais romance.
Imaginou-se sozinha, nas suas antigas noites insólitas de sábado, e duvidou que continuassem insólitas. Além do mais, teria de se reacostumar à vida de outrora. Sem dias inteiros ao pé do telefone, sem promessas de amor eterno; sem drinks caros e suítes presidenciais. Rien de rien. Ela, e somente ela, num apartamento modesto, sem o auxílio financeiro do seu "Romeu às avessas" - e disse isso a si mesma com risível ironia.
Talvez adotasse um gato. Talvez pedisse China In Box depois do trabalho. Talvez fizesse sessões de Sex and the City às sextas-feiras.
Alguns segundos de quietude foram suficientes para que se decidisse. Saiu do torpor, ainda tonta, em meias e calcinha, e vestiu-se. Ligou para a recepção e mandou chamar um táxi. "Não, não. É melhor eu ir caminhando..."
E saiu, incrivelmente tranqüila, em direção à padaria mais próxima e ao seu recém conquistado futuro.
Ao pôr-do-sol o amante se fora, deixando um chupão em sua nuca, a colcha da cama em desalinho e o dinheiro para pagar a conta do hotel - altíssima, diga-se de passagem - sobre a mesinha de centro. Ela demorou mais de uma hora para levantar, com uma dor de cabeça infernal, e perceber que ele tinha partido. Contraiu o lábio inferior em sinal de protesto, roeu a unha vermelho-escarlate do polegar esquerdo e caiu pesadamente sobre o travesseiro. Demorou mais uma meia hora para enfrentar a situação, levantar e fazer o drink.
Agora estava à janela: resignada, semi-nua, apreciando o frio que fazia os seus dentes rangerem. Por um momento observou a vidraça, procurando defeitos sem saber por quê. Tamborilou com os dedos finos o vidro, emitindo um som semelhante ao trote de cavalos. Bebeu de um só gole o restante do martini, enchendo ambas as bochechas. A cabeça, ainda reagindo aos excessos da noite anterior, pareceu girar. Caminhou meio cambaleante até a poltrona rústica no canto do quarto, apoiou a taça no chão e a cabeça nos joelhos.
O ar-condicionado produzia um ruído rouco incômodo quando Victoria pegou o telefone e ligou para a recepção, perguntando se Ricardo Lugano havia deixado alguma mensagem. "Disse pra esperar, que ele volta antes das onze". Voltava mesmo, disso ela não tinha dúvida.
Era só inventar desculpas descaradas e mirabolantes para a esposa que a consciência dele ficava leve como brisa. Contraindo o lábio inferior num ricto, Victoria roeu a unha do indicador direito. Cansada, tonta, ansiosa; deitou sobre o chão mesmo, encolhida. O carpete cheirava a lavanda - Victoria cheirava a álcool e jasmin, como um perfume mal destilado - e contrastava com os cabelos muito louros e a pele muito alva da moça que, ainda retraída, umedeceu os lábios pensando: "E se eu fosse embora?"
Imaginou um Ricardo intimamente vexado. Não sorriu ao fazê-lo, gostava muito do médico. Mas pondereu que - "eu mesma bem sei" - conseguia coisa melhor. Ao menos alguém que não hesitasse tanto, alguém menos irresoluto. Menos lascívia e mais romance.
Imaginou-se sozinha, nas suas antigas noites insólitas de sábado, e duvidou que continuassem insólitas. Além do mais, teria de se reacostumar à vida de outrora. Sem dias inteiros ao pé do telefone, sem promessas de amor eterno; sem drinks caros e suítes presidenciais. Rien de rien. Ela, e somente ela, num apartamento modesto, sem o auxílio financeiro do seu "Romeu às avessas" - e disse isso a si mesma com risível ironia.
Talvez adotasse um gato. Talvez pedisse China In Box depois do trabalho. Talvez fizesse sessões de Sex and the City às sextas-feiras.
Alguns segundos de quietude foram suficientes para que se decidisse. Saiu do torpor, ainda tonta, em meias e calcinha, e vestiu-se. Ligou para a recepção e mandou chamar um táxi. "Não, não. É melhor eu ir caminhando..."
E saiu, incrivelmente tranqüila, em direção à padaria mais próxima e ao seu recém conquistado futuro.
sábado, 28 de julho de 2007
"Dar tempo ao tempo"
Já raciocinaram sobre o absurdo dessa expressão?
Se o tempo é o próprio tempo, como você pode dar tempo a ele mesmo? Não deveria ser o contrário, o tempo dar-se a você? Ou o tempo dar-se a ele mesmo?
Mas você, humilde ser humano, dando tempo ao tempo?
Como se nós tivéssemos tempo pra dar; justo nós, que tanto tempo esperamos para que o tempo nos faça esquecer seja lá o que for. Justo nós, mortais, que tememos o tempo, aquele impalpável monstro que nos tira a juventude, a impulsividade e a vida.
Que vil tipo de criatura daria ao todo poderoso tempo logo aquilo que mais teme: o tempo? Eu é que não.
Dar tempo ao tempo também pode significar o envelhecimento do mesmo, mais um motivo para eu recear o uso dessa expressão.
Quero dizer, se o tempo ficar velho e sem forças, como o tempo poderá correr? E se o tempo não correr, apesar de ficarmos eternamente jovens seremos eternamente os mesmos: com os mesmos sonhos e as mesmas angústias. Terrível!
Tenho pra mim que se Deus existisse ele não seria paz, nem amor, nem vida...ele seria tempo. Porque a única coisa que pode nos dar e nos tirar tudo é o tempo.
O tempo cura, o tempo fere; o amor vem com o tempo, o amor se desgasta com o tempo; as pessoas nascem após um tempo (9 meses não deixa de ser um período dele) e envelhecem com o passar do tempo. Se Deus está em tudo, Ele só pode ser o tempo. Então tempo não deveria ser escrito em maiúsculo? Tempo. É, acho que soa melhor. Será então que as rezas não servem de nada? Porque o Tempo é incontrolável e impassível ("e relativo", grita Einstein de algum lugar no infinito). Ou será o Tempo piedoso, por deletar rascunhos salvos por engano?
Vendo por esse ângulo, o certo não seria "dar tempo ao tempo", e sim dar um tempo a nós mesmos. Mas se fosse tão fácil sermos auto-suficientes não existiriam livros de auto-ajuda por aí, né? Talvez então, a fim de não nos sentirmos desamparados, devêssemos pedir ao Tempo um pouquinho mais de agilidade: "Tende piedade, ó Senhor, e acelerai o vosso passo"; quem sabe assim você tenha um tempo só para si, sem ninguém para interferir no que só diz respeito a você a Ele: o esquecimento.
Se o tempo é o próprio tempo, como você pode dar tempo a ele mesmo? Não deveria ser o contrário, o tempo dar-se a você? Ou o tempo dar-se a ele mesmo?
Mas você, humilde ser humano, dando tempo ao tempo?
Como se nós tivéssemos tempo pra dar; justo nós, que tanto tempo esperamos para que o tempo nos faça esquecer seja lá o que for. Justo nós, mortais, que tememos o tempo, aquele impalpável monstro que nos tira a juventude, a impulsividade e a vida.
Que vil tipo de criatura daria ao todo poderoso tempo logo aquilo que mais teme: o tempo? Eu é que não.
Dar tempo ao tempo também pode significar o envelhecimento do mesmo, mais um motivo para eu recear o uso dessa expressão.
Quero dizer, se o tempo ficar velho e sem forças, como o tempo poderá correr? E se o tempo não correr, apesar de ficarmos eternamente jovens seremos eternamente os mesmos: com os mesmos sonhos e as mesmas angústias. Terrível!
Tenho pra mim que se Deus existisse ele não seria paz, nem amor, nem vida...ele seria tempo. Porque a única coisa que pode nos dar e nos tirar tudo é o tempo.
O tempo cura, o tempo fere; o amor vem com o tempo, o amor se desgasta com o tempo; as pessoas nascem após um tempo (9 meses não deixa de ser um período dele) e envelhecem com o passar do tempo. Se Deus está em tudo, Ele só pode ser o tempo. Então tempo não deveria ser escrito em maiúsculo? Tempo. É, acho que soa melhor. Será então que as rezas não servem de nada? Porque o Tempo é incontrolável e impassível ("e relativo", grita Einstein de algum lugar no infinito). Ou será o Tempo piedoso, por deletar rascunhos salvos por engano?
Vendo por esse ângulo, o certo não seria "dar tempo ao tempo", e sim dar um tempo a nós mesmos. Mas se fosse tão fácil sermos auto-suficientes não existiriam livros de auto-ajuda por aí, né? Talvez então, a fim de não nos sentirmos desamparados, devêssemos pedir ao Tempo um pouquinho mais de agilidade: "Tende piedade, ó Senhor, e acelerai o vosso passo"; quem sabe assim você tenha um tempo só para si, sem ninguém para interferir no que só diz respeito a você a Ele: o esquecimento.
sábado, 14 de julho de 2007
Cheiros
"...as pessoas podiam fechar os olhos diante da grandeza,
do assustador, da beleza, e podiam tapar os ouvidos diante
da melodia ou de palavras sedutoras. Mas não podiam escapar
ao aroma. Pois o aroma é um irmão da respiração.
Com esta, ele penetra nas pessoas, elas não podem escapar-lhe
caso queiram viver. E bem para dentro delas é que vai o aroma,
diretamente para o coração, distinguindo lá categoricamente
entre atração e menosprezo, nojo e prazer, amor e ódio.
Quem dominasse os odores dominaria o coração das pessoas"
PATRICK SÜSKIND
-
E de tudo fica um pouco.
Oh abre os vidros de loção e abafa
o insuportável mau cheiro da memória.
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
-
No rastro do seu caminhar
No ar onde você passar
O seu perfume inebriante
Pendura num instante
A rua inteira a levitar
TRIBALISTAS
-
O amor é sujo
tem cheiro de mijo
ele mete medo
vou lhe tirar disso
TRIBALISTAS
-
Ainda tem o seu perfume pela casa
Ainda tem você na sala
Porque meu coração dispara
Quando tem o seu cheiro
Dentro de um livro
Nas cinzas das horas
ADRIANA CALCANHOTTO
-
Mucosa roxa, peito cor de rôla
Seu beijo, seu texto,
Seu cheiro, seu pêlo,
Cê toda
CAETANO VELOSO
-
Quando estiver perdido, siga sempre o seu nariz.
GANDALF
-
Eu podia fazer uma série de trocadilhos infames dentro do contexto, mas vou me limitar a dizer que o nosso "paladar aromático" se apura quando estamos apaixonados, o que explica a profusão de poesia que surge do amor - seja ele correspondido ou não. Digo isso porque concordo com o Patrick quando ele diz que "o aroma vai diretamente para o coração", não só pelo lado denotativo-científico da frase mas também pelo conotativo-metafórico-sinestésico (inventei essa última, de sinestesia). De todos os nossos sentidos, o olfato é o mais confiável (exceto quando se está gripado).
Sem mais delongas, recomendo "O Perfume", que é um ótimo livro, e recomendo também que tirem suas próprias conclusões dos textos acima, igonorando tudo o que eu escrevi até aqui porque eu estou morrendo de sono e fome. A minha conclusão profundamente emotiva e sinestésica (adorei a palavra!) dessa seleção de aromas eu não consegui expor. Mas aspirem vocês mesmos cada um deles, com calma e perspicácia; nosso "paladar aromático" é o mais instintivo e o menos exprimível dos nossos sentidos.
quinta-feira, 5 de julho de 2007
O aquário
Num recipiente de vidro esférico, a água tremulava lastimosa. Um peixinho dourado jazia inerte, flutuando sobre a sua superfície. Com o ventre virado para cima, suas guelras abriam-se inchadas e vermelhas e os olhos fixavam o nada. Suas escamas, porém, mantinham o mesmo brilho do dia anterior, e se não fosse a posição curiosa em que o animal se encontrava, seria possível acreditar que era um peixinho saudável.
A criança entra na sala já com o uniforme vermelho do Jardim de Infância. Fica na ponta dos pés para ver melhor o quadro sinistro que ela ainda não compreendeu. Vira a cabeça para um lado, vira a cabeça para o outro; cutuca o vidro fazendo a água se agitar e o peixinho se mexer de forma macabra, vacilando e parando na mesma posição. A cena é atroz. O aquário é funesto. A criança, com olhos lacriomosos e beiço trêmulo, diz numa voz fina de quem vai começar a chorar:
-Mexe peixinho! Mexe!
Mas o peixinho está morto.
A criança entra na sala já com o uniforme vermelho do Jardim de Infância. Fica na ponta dos pés para ver melhor o quadro sinistro que ela ainda não compreendeu. Vira a cabeça para um lado, vira a cabeça para o outro; cutuca o vidro fazendo a água se agitar e o peixinho se mexer de forma macabra, vacilando e parando na mesma posição. A cena é atroz. O aquário é funesto. A criança, com olhos lacriomosos e beiço trêmulo, diz numa voz fina de quem vai começar a chorar:
-Mexe peixinho! Mexe!
Mas o peixinho está morto.
quinta-feira, 28 de junho de 2007
A Lua
Ontem ao anoitecer, enquanto eu caminhava no caos tijucano de sempre, senti uma vontade imensa de escrever e olhei para o céu buscando inspiração.
Como ainda não era exatamente "noite", o céu tinha a cor do oceano. E lá, nesse mar celeste, entre umas poucas nuvens e estrelas, a lua cheia se erguia imponente e bela sobre todos os humildes pedestres que seguiam seu caminho feito máquinas, olhando (sem ver!) a vida terrena.
Era um verdadeiro quadro! E eu, como admiradora da noite que sou, empaquei diante de uma padaria para ver melhor. Sorri pro coelhinho lunar e pra primeira estrela da noite que surgia. Confesso até que lembrei do Pinocchio e fiz um pedido.
Mas as pessoas continuavam andando, insensíveis, algumas provavelmente me tomando por maluca ou coisa que o valha. A vida terrena seguia seu rumo e eu tive de seguir o meu; e a lua, tão perolada, tão luminosa, me fez perder a vontade de escrever. Porque ela por si só já era a própria poesia.
Como ainda não era exatamente "noite", o céu tinha a cor do oceano. E lá, nesse mar celeste, entre umas poucas nuvens e estrelas, a lua cheia se erguia imponente e bela sobre todos os humildes pedestres que seguiam seu caminho feito máquinas, olhando (sem ver!) a vida terrena.
Era um verdadeiro quadro! E eu, como admiradora da noite que sou, empaquei diante de uma padaria para ver melhor. Sorri pro coelhinho lunar e pra primeira estrela da noite que surgia. Confesso até que lembrei do Pinocchio e fiz um pedido.
Mas as pessoas continuavam andando, insensíveis, algumas provavelmente me tomando por maluca ou coisa que o valha. A vida terrena seguia seu rumo e eu tive de seguir o meu; e a lua, tão perolada, tão luminosa, me fez perder a vontade de escrever. Porque ela por si só já era a própria poesia.
sexta-feira, 22 de junho de 2007
O que o meu lado gaúcho tem a dizer sobre o dia 24 de Junho
Saudade não é bem uma palavra triste. Na realidade, é alegre como o céu de uma segunda-feira de manhã: a gente sempre deseja poder voltar pra sábado, mas não consegue deixar de sorrir com o desenho das nuvens ao sol. É...é bem assim mesmo. As horas vão passando, vão passando...logo já é sexta-feira e a gente nem se deu conta. Mas céu nenhum repete o outro, não há nuvens idênticas (e de vez em quando chove).
Eis aí a mágica da fotografia. Muitas vezes me lembro de algo que aconteceu há tanto, tanto tempo, que não sei se é verdade ou se eu imaginei. Aí vem a fotografia, aquele segundo que durará décadas, e me mostra que a vida realmente é incrível.
(...)
Engraçado que os fatos especiais, quando distantes, parecem sonho. Quase tudo que se passou fora do Rio já virou sonho, principalmente Novo Hamburgo. Antes doía tanto lembrar...agora é tão maravilhoso!
Lembro da primeira vez que fui ao Ateliê dos Blauth. Fiquei encantada com a doçura daquela que, um dia, comecei a considerar minha avó, e com o talento, tanto dela quanto do "vô" e da Tia Sofia. Eles me ensinaram a ver o mundo de outra forma e eu nem sei se disse isso a eles antes de ir embora.
(...)
Nas tardes de inverno, Babi e eu sentávamos na clareira do sítio e comíamos pinhão quentinho. Quando a vó chamava para o chá, nos espichávamos todas na rede e bebíamos chimarrão. Eu não gostava muito na época, achava amargo. Agora penso que, se saudade tivesse gosto, seria de erva-mate.
(...)
Várias vezes viramos a noite com histórias de terror. Uma vez, inclusive, na noite da fogueira, berramos pelo Tio Paulinho porque tínhamos medo de voltar pra casa com os sapos que coaxavam no riacho. Nessa mesma noite, deitadas na grama-palha entre os pinheiros, olhamos o céu e vimos incontáveis estrelas. Foi o dia em que me apaixonei pela astronomia.
Naquele riacho, onde os sapos reinavam à noite, Babi e eu catamos peixes com miolo de pão e um escorredor de macarrão. O carpinteiro do Ateliê prometeu que ia trazer varas sem anzol, mas eu fui embora e nada de nada. Lembro que multiplicamos 7 vezes o número real de peixes que catamos, e a vó fingiu acreditar.
Outra coisa de incrível eram os cachorros: haviam tantos que nem sei se lembro. Meu preferido era um collie mestiço que quando pulava ficava do meu tamanho, bobalhão que só ele. O vô Ricardo dava de comer a eles toda manhã, com um daqueles sacolões enormes de ração.
(...)
Mas, dentre toda essa pacata vida de interior, não há nada que me dê mais saudade do que o caminho do colégio até a minha casa. Havia um ônibus só da Fundação (onde estudávamos), que tínhamos de pegar todo dia às 6:56, a um quarteirão e pouco de distância de casa (sim, morávamos em casas!). Sempre as mesmas pessoas esperavam conosco no ponto, mas nunca falamos com eles.
{Pauso minha reflexão: fato que os gaúchos são meio secos, mas mesmo assim eu os adoro.}
Continuo minha reflexão: O caminho de ida era chato porque o motorista ligava na rádio de pagode que todo mundo detestava, e acabávamos todos emburrados antes das 7:30. Mas na volta, quando Lucas e eu nos sentávamos, eu já procurava estar bem próxima da janela direita pra quando passasse na casa da Gil (a minha madrinha de consideração) eu poder acenar pra ela. Era infalível: todo dia ao meio-dia Gil parava na janela com sua cachorrinha poodle, a Nina, a tiracolo. Era só o ônibus passar que eu abria a janela e gritava: GIIIIIIIIIIIIIIIL! com toda a minha força; e de longe ela respondia com um sorriso e um aceno, que nunca mais se apagaram da minha memória.
Agora já respingo a página todinha de lágrimas, sou uma boba mesmo. De certa forma eu construí uma família por lá, uma família que não vejo há tantos anos que já nem sei se foi de verdade ou foi fantasia. Meus "avós" e sua arte, meu "tios" e seus conselhos, minha "irmã" e suas bizarrices, minha "madrinha" e os nossos filmes, minha locadora e os meus pôsteres...existiram?
Quando me encho de coragem, abro minha gaveta de lembranças e vejo todas as cartas, fotos e desenhos que eles fizeram quando houve a minha despedida. Foi o melhor e o pior aniversário que já tive. Aí, apesar do meu azar junino crônico, penso que todo dia 24/06 à noite as vozes do passado voltarão, meio abafadas por um choro de saudade, só pra dizer "Feliz Aniversário"; e de repente sou a pessoa mais sortuda desse mundo.
(Sintam-se honrados, acabam de ler um trecho do meu "diário")
Eis aí a mágica da fotografia. Muitas vezes me lembro de algo que aconteceu há tanto, tanto tempo, que não sei se é verdade ou se eu imaginei. Aí vem a fotografia, aquele segundo que durará décadas, e me mostra que a vida realmente é incrível.
(...)
Engraçado que os fatos especiais, quando distantes, parecem sonho. Quase tudo que se passou fora do Rio já virou sonho, principalmente Novo Hamburgo. Antes doía tanto lembrar...agora é tão maravilhoso!
Lembro da primeira vez que fui ao Ateliê dos Blauth. Fiquei encantada com a doçura daquela que, um dia, comecei a considerar minha avó, e com o talento, tanto dela quanto do "vô" e da Tia Sofia. Eles me ensinaram a ver o mundo de outra forma e eu nem sei se disse isso a eles antes de ir embora.
(...)
Nas tardes de inverno, Babi e eu sentávamos na clareira do sítio e comíamos pinhão quentinho. Quando a vó chamava para o chá, nos espichávamos todas na rede e bebíamos chimarrão. Eu não gostava muito na época, achava amargo. Agora penso que, se saudade tivesse gosto, seria de erva-mate.
(...)
Várias vezes viramos a noite com histórias de terror. Uma vez, inclusive, na noite da fogueira, berramos pelo Tio Paulinho porque tínhamos medo de voltar pra casa com os sapos que coaxavam no riacho. Nessa mesma noite, deitadas na grama-palha entre os pinheiros, olhamos o céu e vimos incontáveis estrelas. Foi o dia em que me apaixonei pela astronomia.
Naquele riacho, onde os sapos reinavam à noite, Babi e eu catamos peixes com miolo de pão e um escorredor de macarrão. O carpinteiro do Ateliê prometeu que ia trazer varas sem anzol, mas eu fui embora e nada de nada. Lembro que multiplicamos 7 vezes o número real de peixes que catamos, e a vó fingiu acreditar.
Outra coisa de incrível eram os cachorros: haviam tantos que nem sei se lembro. Meu preferido era um collie mestiço que quando pulava ficava do meu tamanho, bobalhão que só ele. O vô Ricardo dava de comer a eles toda manhã, com um daqueles sacolões enormes de ração.
(...)
Mas, dentre toda essa pacata vida de interior, não há nada que me dê mais saudade do que o caminho do colégio até a minha casa. Havia um ônibus só da Fundação (onde estudávamos), que tínhamos de pegar todo dia às 6:56, a um quarteirão e pouco de distância de casa (sim, morávamos em casas!). Sempre as mesmas pessoas esperavam conosco no ponto, mas nunca falamos com eles.
{Pauso minha reflexão: fato que os gaúchos são meio secos, mas mesmo assim eu os adoro.}
Continuo minha reflexão: O caminho de ida era chato porque o motorista ligava na rádio de pagode que todo mundo detestava, e acabávamos todos emburrados antes das 7:30. Mas na volta, quando Lucas e eu nos sentávamos, eu já procurava estar bem próxima da janela direita pra quando passasse na casa da Gil (a minha madrinha de consideração) eu poder acenar pra ela. Era infalível: todo dia ao meio-dia Gil parava na janela com sua cachorrinha poodle, a Nina, a tiracolo. Era só o ônibus passar que eu abria a janela e gritava: GIIIIIIIIIIIIIIIL! com toda a minha força; e de longe ela respondia com um sorriso e um aceno, que nunca mais se apagaram da minha memória.
Agora já respingo a página todinha de lágrimas, sou uma boba mesmo. De certa forma eu construí uma família por lá, uma família que não vejo há tantos anos que já nem sei se foi de verdade ou foi fantasia. Meus "avós" e sua arte, meu "tios" e seus conselhos, minha "irmã" e suas bizarrices, minha "madrinha" e os nossos filmes, minha locadora e os meus pôsteres...existiram?
Quando me encho de coragem, abro minha gaveta de lembranças e vejo todas as cartas, fotos e desenhos que eles fizeram quando houve a minha despedida. Foi o melhor e o pior aniversário que já tive. Aí, apesar do meu azar junino crônico, penso que todo dia 24/06 à noite as vozes do passado voltarão, meio abafadas por um choro de saudade, só pra dizer "Feliz Aniversário"; e de repente sou a pessoa mais sortuda desse mundo.
(Sintam-se honrados, acabam de ler um trecho do meu "diário")
segunda-feira, 4 de junho de 2007
Formigas
Eu estava congelada, às 10:40 da manhã, aproveitando ao máximo os poucos raios de sol que chegavam à arvore sob a qual eu me encontrava no pátio do colégio. Meus dedos pareciam estalagmites e minhas unhas sem esmalte estavam roxas quando a formiguinha vermelha subiu no meu joelho. Dizem que essas, quando picam, deixam ferida, mas nem liguei. A formiguinha tinha uma bunda estranha, comprida e amendoada, e anteninhas curtas. Andava do meu joelho para a minha perna, contrastando com o azul da calça jeans. Engraçado eu não sentir a presença do artrópode, de tão rápido e leve que era. Agora a formiguinha tornava a subir para o meu joelho parecendo desnorteada. Encostei a ponta da unha na minha calça e fui riscando a perna enquanto perseguia a formiga. Ela se aproximou da unha, curiosa, e depois fugiu. Como a bichinha é rápida! Parei de aporrinhá-la para que ficasse mais tempo ali, comigo. Havia agora uma outra formiguinha na minha mão - esta eu senti! - e o sol sumiu atrás de uma nuvem branca. Gelei em dobro; a formiguinha nº 2 desceu da minha mão. A nº1 continuava passeando pela minha calça, imperceptível não fosse a coloração berrante. Li uma vez na apostila de biologia que os aninais de cores fortes tendem a ser venenosos. Será que você é venenosa, companheirinha? Johnny Cash canta seus lamentos embriagados no meu ouvido ("everyone I know goes away in the end") e a nº1 parece redescobrir o caminho de casa. Vai descendo pela minha batata da perna (o que me faz lembrar alguma música infantil deveras suspeita sobre formigas, cócegas e coxas), escala o cadarço branco do meu tênis e se despede, remexendo a tanajura, justo na hora em que soa o sinal para voltarmos ao Tártaro estudantil.
Lamentei sozinha a morte das muitas formigas que esmaguei na vida sem querer querendo e pensei comigo que esta não tardaria a ser esmagada também - era só o ensino fundamental ser liberado.
Subi as escadas meio cabisbaixa com as conclusões a que Johnny Cash e a bichinha me levaram e sentei na carteira azul a tempo ainda de ouvir mais uma música.
Qual não foi minha surpresa quando, sobre a abstração da capa do meu caderno, surgiu uma formiguinha preta de bundinha engraçada...
Lamentei sozinha a morte das muitas formigas que esmaguei na vida sem querer querendo e pensei comigo que esta não tardaria a ser esmagada também - era só o ensino fundamental ser liberado.
Subi as escadas meio cabisbaixa com as conclusões a que Johnny Cash e a bichinha me levaram e sentei na carteira azul a tempo ainda de ouvir mais uma música.
Qual não foi minha surpresa quando, sobre a abstração da capa do meu caderno, surgiu uma formiguinha preta de bundinha engraçada...
quinta-feira, 31 de maio de 2007
Conto de fados
Ezequiel estava há anos perdidamente apaixonado pela menina ruivinha da casa da esquina. O pobre rapaz, cheio de esperanças, guardava sempre uma parte da mesada pra botar na poupança que montara para quando eles finalmente unissem suas escovas de dentes. Tinha tudo planejado: casariam, teriam 2 filhos, 2 filhas, 3 cachorros e 4 gatos; ele compraria um caminhão e viajariam todos país afora; depois venderia o caminhão pra comprar um barco, e viajariam todos mundo afora também.
O único problema no plano de Ezequiel é que...ele era apenas de Ezequiel. A moça ruivinha da casa da esquina de nada sabia, talvez nem mesmo da existência do rapaz, pois se haviam trocado quarenta palavras em todos esses anos de vizinhança, fora muito. Ou seja, as esperanças do nosso tímido e excêntrico jovem eram mínimas.
Ezequiel estava perdidamente apaixonado pela ruivinha da casa da esquina que não sabia que ele existia e com quem não tinha trocado nem meia centena de palavras.
Desesperado em seu amor platônico, o rapaz encaminhou-se à um renomado vidente que traçou seu mapa astral, viu as linhas de suas mãos e mediu em centímetros o diâmetro de sua cabeça por 35 patacas a meia-hora. Disse por fim que Ezequiel deveria procurar sua amada num prazo de cinco dias, antes que Marte se alinhasse com Vênus (porque aí era recusa na certa).
Durante quatro longos dias nosso Romeu às avessas se dedicou apenas à elaboração da conversa perfeita. "Tá, lá vou eu", pensou o jovem; e comprou um buquê tão grande de rosas vermelhas que encobria toda a sua visão. Foi caminhando pé-ante-pé até a esquina, parou na frente da porta e tocou a campainha:
"Din don"
Ouve-se o barulho de passos, o latido do poodle, as chaves sendo giradas.
-Pois não?
Com as flores tapando-lhe a face, Ezequiel não viu o locutor. E melhor seria se tivesse visto, pois teria lhe poupado o choque seguinte.
-É...o...vizinho. O vizinho da Jana. E-ela está?
-Pois sim. Vou chamar. Ô JÂÂÂNA!
É ela! É ela! E o eco ao longe suspirou - é ela! A ruivinha da esquina, de saia rodada, aproximou-se do vão da porta, beijou o autor do berro na boca e sorriu um sorriso de candura. Ezequiel - que passara os segundos entre o berro e a chegada da moça aperfeiçoando sua postura -, agora já via tudo com clareza. Via a ruiva, via a saia, via o beijo.
-Pois sim? - declamou a menina com a voz mais suave do que a brisa.
-Pois não. - repondeu Ezequiel virando as costas abruptamente e indo embora, deixando um rastro de pétalas rubras por onde passava.
Eis que fecha-se a porta da ruivinha. Eis que fecha-se a porta do coração de nosso "ex-futuro-chefe-de-família-promissor".
No mesmo dia, às 15:48h, Ezequiel tirou todo o dinheiro que tinha da poupança, e antes mesmo da meia-noite torrou todo ele e mais um pouco numa orgia de bordel.
O único problema no plano de Ezequiel é que...ele era apenas de Ezequiel. A moça ruivinha da casa da esquina de nada sabia, talvez nem mesmo da existência do rapaz, pois se haviam trocado quarenta palavras em todos esses anos de vizinhança, fora muito. Ou seja, as esperanças do nosso tímido e excêntrico jovem eram mínimas.
Ezequiel estava perdidamente apaixonado pela ruivinha da casa da esquina que não sabia que ele existia e com quem não tinha trocado nem meia centena de palavras.
Desesperado em seu amor platônico, o rapaz encaminhou-se à um renomado vidente que traçou seu mapa astral, viu as linhas de suas mãos e mediu em centímetros o diâmetro de sua cabeça por 35 patacas a meia-hora. Disse por fim que Ezequiel deveria procurar sua amada num prazo de cinco dias, antes que Marte se alinhasse com Vênus (porque aí era recusa na certa).
Durante quatro longos dias nosso Romeu às avessas se dedicou apenas à elaboração da conversa perfeita. "Tá, lá vou eu", pensou o jovem; e comprou um buquê tão grande de rosas vermelhas que encobria toda a sua visão. Foi caminhando pé-ante-pé até a esquina, parou na frente da porta e tocou a campainha:
"Din don"
Ouve-se o barulho de passos, o latido do poodle, as chaves sendo giradas.
-Pois não?
Com as flores tapando-lhe a face, Ezequiel não viu o locutor. E melhor seria se tivesse visto, pois teria lhe poupado o choque seguinte.
-É...o...vizinho. O vizinho da Jana. E-ela está?
-Pois sim. Vou chamar. Ô JÂÂÂNA!
É ela! É ela! E o eco ao longe suspirou - é ela! A ruivinha da esquina, de saia rodada, aproximou-se do vão da porta, beijou o autor do berro na boca e sorriu um sorriso de candura. Ezequiel - que passara os segundos entre o berro e a chegada da moça aperfeiçoando sua postura -, agora já via tudo com clareza. Via a ruiva, via a saia, via o beijo.
-Pois sim? - declamou a menina com a voz mais suave do que a brisa.
-Pois não. - repondeu Ezequiel virando as costas abruptamente e indo embora, deixando um rastro de pétalas rubras por onde passava.
Eis que fecha-se a porta da ruivinha. Eis que fecha-se a porta do coração de nosso "ex-futuro-chefe-de-família-promissor".
No mesmo dia, às 15:48h, Ezequiel tirou todo o dinheiro que tinha da poupança, e antes mesmo da meia-noite torrou todo ele e mais um pouco numa orgia de bordel.
domingo, 6 de maio de 2007
Babi e eu
...éramos exatamente assim!
Estrelando
Barbara Blauth como Susanita
Thaís Lopes como Mafalda
Susanita: -Quando eu crescer quero ter muitos vestidos!
Mafalda: -E eu muita cultura!
Susanita: -Se você sair na rua sem cultura a polícia te prende?
Mafalda: -Não.
Susanita: -Experimenta sair sem vestido.
Mafalda: ...
Mafalda: -É triste ter que bater em alguém que tem razão!
Créditos ao Quino e ao clubedamafalda.
Mafalda: -E eu muita cultura!
Susanita: -Se você sair na rua sem cultura a polícia te prende?
Mafalda: -Não.
Susanita: -Experimenta sair sem vestido.
Mafalda: ...
Mafalda: -É triste ter que bater em alguém que tem razão!
Créditos ao Quino e ao clubedamafalda.
terça-feira, 1 de maio de 2007
Livro, leite; leitura.
Vovó sempre dizia: "minina, u homi qui cumeu i garrolê morreu"; mas Mariana pensava ser lorota. Por isso, sempre que chegava o ventinho gelado do inverno, metia-se numa coberta e catava um romance da estante para ler regado à café-com-leite. Não há coisa mais gostosa nesse mundinho de Deus!
Especificamente nesse dia a Cecí fez biscoitos sequilhos para molhar no café, e o dia estava tão gostoso que Mariana se pôs a ler em voz alta que "o rapaz declarou à moça todo o seu amor."
Mas que beleza, todo o seu amor! O amor todo, todinho, só pra sortuda mocinha de laço de fita no cabelo e vestido de cetim. "Diabos, porque é que não se usam mais os vestidos de cetim?". Todo seu amor não é muita coisa!? Tanta coisa que chega a assustar um bocado!
E pra cada frase um gole de café, pra cada parágrafo um biscoito - enfarelou página após página, mas que pecado!
Acabou com ambos antes do fim do capítulo e antes de saber quão grande era 'todo o amor de alguém'. Foi à cozinha - as meias derrapando nos 'azugelos' -, marcando a página em que parara com o dedo médio, e encheu uma xícara de leite frio - porque estava aponquentada demais com a história para esperá-lo esquentar. Sentou-se à mesa da cozinha mesmo, os pés contraídos pela baixa temperatura, e tentou terminar o parágrafo. '...lhe juro,meu amor, amor eterno' e aquele bom e velho blablabla de nascimento de romance. Soou tão clichè que ela se desligou da fala do rapaz pra se concentrar na reação da moça. O quê? Ela aceitou? Ela acreditou? "Ahhh, pois hei de pegar outro livro, um pouco mais realista e com protagonistas menos imbecis. Quem sabe também esquento este leite, porque gelado assim está de matar."
Assim disse e assim fez: pegou qualquer coisa de Carlos Drummond, que à ela soou menos fingido, e esqueceu o leite no fogo - que transbordou, sujando 1/4 do fogão.
[MORAL DA HISTÓRIA: A realidade se torna menos ferina quando acompanhada de um copo de leite quente.]
Especificamente nesse dia a Cecí fez biscoitos sequilhos para molhar no café, e o dia estava tão gostoso que Mariana se pôs a ler em voz alta que "o rapaz declarou à moça todo o seu amor."
Mas que beleza, todo o seu amor! O amor todo, todinho, só pra sortuda mocinha de laço de fita no cabelo e vestido de cetim. "Diabos, porque é que não se usam mais os vestidos de cetim?". Todo seu amor não é muita coisa!? Tanta coisa que chega a assustar um bocado!
E pra cada frase um gole de café, pra cada parágrafo um biscoito - enfarelou página após página, mas que pecado!
Acabou com ambos antes do fim do capítulo e antes de saber quão grande era 'todo o amor de alguém'. Foi à cozinha - as meias derrapando nos 'azugelos' -, marcando a página em que parara com o dedo médio, e encheu uma xícara de leite frio - porque estava aponquentada demais com a história para esperá-lo esquentar. Sentou-se à mesa da cozinha mesmo, os pés contraídos pela baixa temperatura, e tentou terminar o parágrafo. '...lhe juro,meu amor, amor eterno' e aquele bom e velho blablabla de nascimento de romance. Soou tão clichè que ela se desligou da fala do rapaz pra se concentrar na reação da moça. O quê? Ela aceitou? Ela acreditou? "Ahhh, pois hei de pegar outro livro, um pouco mais realista e com protagonistas menos imbecis. Quem sabe também esquento este leite, porque gelado assim está de matar."
Assim disse e assim fez: pegou qualquer coisa de Carlos Drummond, que à ela soou menos fingido, e esqueceu o leite no fogo - que transbordou, sujando 1/4 do fogão.
[MORAL DA HISTÓRIA: A realidade se torna menos ferina quando acompanhada de um copo de leite quente.]
sábado, 28 de abril de 2007
Samba de uma nota só
Daria tudo por uma roda de samba agora, nesse momento em que escrevo. Não quero o calor nem os empurrões do Empório, quero ar e MPB. Bossa Nova, Tropicália, Chico Buarque. Quero um pé-de-valsa, um pé-de-tango, um pé-de-salsa, um par de mambo...qualquer coisa que me deixe longe do redemoinho de pensamentos que vem sorrateiramente me dominando. Eu quero a boemia! O violão dedilhado ao luar, as frases soltas, a filosofia de calçada, a tapioca por 1 real. Pior é que mereço, juro do fundo do coração que mereço! Tô de saco cheio de estudar, de ouvir falar em vestibular e não saber o que fazer da vida, de enfiar conhecimento indesejável mente adentro.
Não que seja ruim pensar demais, não é. Mas é incômodo pensar tudo de uma vez só, e minha cabeça, nesse instante, assemelha-se a um liqüidificador. Estou pensando compulsivamente, estou com o passo-à-passo na cabeça. É pau, é pedra, é o fim do caminho! Estou pensando inclusive com músicas de fundo. Isso mesmo, no plural, cada uma lutando pra prevalecer sobre as demais. E o repertório é bem variado: tem uma de dançar juntinho, uma mais malandrinha e outra que faz lágrima brotar dos olhos.
Com um verso de cada, vira tudo a mesma bossa. Que canta assim, como se houvesse uma viola fazendo acordes pausados, quase numa nota só.
"Um chapeuzinho de maiô
Sabe tudo sem você
Mas eu não sabia que você sabia
Que a vida é tão boa
É, você que é feito de azul
Vamos deixar desse negócio
De você viver sem mim
Mas se apesar de banal
Chorar for inevitável
Sinta o gosto do sal
Olha que coisa mais linda!
Está chovendo na roseira
Me abraça que tudo vai passar
Aqui nesse terraço à beira-mar
Serei feliz
Serei feliz de flor
E não sofrer mais, nunca mais
Pois a própria dor
Revelou o caminho do amor
Quero a vida sempre assim
A cada milágrimas
Roda mundo"
Hoje a vida é um musical, hoje o dia tá uma bossa.
Não que seja ruim pensar demais, não é. Mas é incômodo pensar tudo de uma vez só, e minha cabeça, nesse instante, assemelha-se a um liqüidificador. Estou pensando compulsivamente, estou com o passo-à-passo na cabeça. É pau, é pedra, é o fim do caminho! Estou pensando inclusive com músicas de fundo. Isso mesmo, no plural, cada uma lutando pra prevalecer sobre as demais. E o repertório é bem variado: tem uma de dançar juntinho, uma mais malandrinha e outra que faz lágrima brotar dos olhos.
Com um verso de cada, vira tudo a mesma bossa. Que canta assim, como se houvesse uma viola fazendo acordes pausados, quase numa nota só.
"Um chapeuzinho de maiô
Sabe tudo sem você
Mas eu não sabia que você sabia
Que a vida é tão boa
É, você que é feito de azul
Vamos deixar desse negócio
De você viver sem mim
Mas se apesar de banal
Chorar for inevitável
Sinta o gosto do sal
Olha que coisa mais linda!
Está chovendo na roseira
Me abraça que tudo vai passar
Aqui nesse terraço à beira-mar
Serei feliz
Serei feliz de flor
E não sofrer mais, nunca mais
Pois a própria dor
Revelou o caminho do amor
Quero a vida sempre assim
A cada milágrimas
Roda mundo"
Hoje a vida é um musical, hoje o dia tá uma bossa.
domingo, 22 de abril de 2007
Fábula do amor e do tempo
Assim como acontece conosco, os astros se apaixonaram. Mas quis o destino que eles vivessem separados: Sol trabalhava de dia e Lua trabalhava de noite.
Por vezes a Lua ficava tão cheia de saudades de seu amado que passava o dia seguinte em claro, esperando por ele. O Sol, no entanto, não podia fazer o mesmo, porque tinha oito irmãos para cuidar. Julgando-o egoísta, a Lua enciumada sumia dos céus sem dar notícias, reaparecendo dias mais tarde com um sorriso envergonhado.
Enquanto o namorado ficava vermelho de raiva daquela situação imutável, a namorada recolhia-se entre as estrelas e chorava lágrimas de prata. Ao saber de seu choro, o Sol empalidecia de tristeza e cobria-se com as nuvens para esconder que chorava também. Por causa dessa época fria e melancólica, o espaço tornou-se um imenso vácuo - inclusive formaram-se vazios de solidão que ficaram conhecidos como "Buracos Negros". O Sol inflamou de infelicidade e o coração da Lua foi tomado de crateras obscuras.
Um dia, houve uma discussão entre a Lua e o velho Universo, seu pai, na qual a moça gritou aos prantos "De agora em diante, renuncio ao meu brilho. Só hei de aparecer na companhia de meu amado!"
As estrelas apiedaram-se dela, e foram implorar, apavoradas, ao grande deus que tudo dá e tudo tira. "Oh poderoso Tempo! Não deixeis os apaixonados definhando de saudade! Evite esta desgraça! Permita que, com a união d'eles dois, nasça um pouco de vida no coração do Universo!"
O Tempo repondeu, com toda a bondade e sabedoria que tinha (e ainda tem): "Não permitirei desgraça alguma, minhas amigas. Conceder-lhes-ei a graça que me pedem. De agora em diante, Sol e Lua poderão encontrar-se, nos chamados 'Eclipses'. No entanto, ouçam bem: só hão de se encontrar quando eu permitir".
"Mas...mas...se não estiverem sempre juntos, eles vão sofrer! Tu não sabes o que é amar!", protestaram as estrelinhas.
"Como não, se fui eu que inventei o amor? Ouçam tudo, e não me interrompam novamente: no intervalo entre os encontros Lua e Sol não sofrerão!" e o Tempo prometeu curar as saudades, angústias e tristezas dos apaixonados. Disse que, renunciando ao brilho próprio, a Lua provara ser dependente do Sol, e mostrou às estrelas que uma vida de dependência (mesmo mútua) jamais poderia ser plenamente feliz. As estrelas correram para contar tudo aos apaixonados, riscando o céu ao passarem.
Assim, o amor doentio entre Sol e Lua tornou-se equilibrado e sagrado, e da harmonia entre os dois nasceu a vida, como um dia profetizou o Tempo. Até hoje, se você olhar para o céu em um dia de Eclipse, poderá ver Sol e Lua se beijando: um cheio de saudades, o outro ardendo de paixão.
Por vezes a Lua ficava tão cheia de saudades de seu amado que passava o dia seguinte em claro, esperando por ele. O Sol, no entanto, não podia fazer o mesmo, porque tinha oito irmãos para cuidar. Julgando-o egoísta, a Lua enciumada sumia dos céus sem dar notícias, reaparecendo dias mais tarde com um sorriso envergonhado.
Enquanto o namorado ficava vermelho de raiva daquela situação imutável, a namorada recolhia-se entre as estrelas e chorava lágrimas de prata. Ao saber de seu choro, o Sol empalidecia de tristeza e cobria-se com as nuvens para esconder que chorava também. Por causa dessa época fria e melancólica, o espaço tornou-se um imenso vácuo - inclusive formaram-se vazios de solidão que ficaram conhecidos como "Buracos Negros". O Sol inflamou de infelicidade e o coração da Lua foi tomado de crateras obscuras.
Um dia, houve uma discussão entre a Lua e o velho Universo, seu pai, na qual a moça gritou aos prantos "De agora em diante, renuncio ao meu brilho. Só hei de aparecer na companhia de meu amado!"
As estrelas apiedaram-se dela, e foram implorar, apavoradas, ao grande deus que tudo dá e tudo tira. "Oh poderoso Tempo! Não deixeis os apaixonados definhando de saudade! Evite esta desgraça! Permita que, com a união d'eles dois, nasça um pouco de vida no coração do Universo!"
O Tempo repondeu, com toda a bondade e sabedoria que tinha (e ainda tem): "Não permitirei desgraça alguma, minhas amigas. Conceder-lhes-ei a graça que me pedem. De agora em diante, Sol e Lua poderão encontrar-se, nos chamados 'Eclipses'. No entanto, ouçam bem: só hão de se encontrar quando eu permitir".
"Mas...mas...se não estiverem sempre juntos, eles vão sofrer! Tu não sabes o que é amar!", protestaram as estrelinhas.
"Como não, se fui eu que inventei o amor? Ouçam tudo, e não me interrompam novamente: no intervalo entre os encontros Lua e Sol não sofrerão!" e o Tempo prometeu curar as saudades, angústias e tristezas dos apaixonados. Disse que, renunciando ao brilho próprio, a Lua provara ser dependente do Sol, e mostrou às estrelas que uma vida de dependência (mesmo mútua) jamais poderia ser plenamente feliz. As estrelas correram para contar tudo aos apaixonados, riscando o céu ao passarem.
Assim, o amor doentio entre Sol e Lua tornou-se equilibrado e sagrado, e da harmonia entre os dois nasceu a vida, como um dia profetizou o Tempo. Até hoje, se você olhar para o céu em um dia de Eclipse, poderá ver Sol e Lua se beijando: um cheio de saudades, o outro ardendo de paixão.
domingo, 15 de abril de 2007
Sobre as sem-razões do macaco.
A casa estava quente e melancólica demais. Senti um aperto no peito, uma angústia, um desespero claustrofóbico por espaço e oxigênio. Aspirei, por um instante demasiado longo, à solidão. Discretamente, como se sentisse vergonha da minha própria covardia, escapei para a varanda de azulejos azuis. Estirei-me sobre o sofá, respirei lenta e profundamente de olhos fechados, aspirei a solidão. Bem melhor.
Um canto de passarinho penetrou meus ouvidos. D'onde vem? Abri meus olhos preguiçosos e olhei em volta. Tudo era só cimento, azulejo e metal - humano demais, frio demais, triste demais -, no entanto havia, ainda assim, um canto de passarinho, como uma trilha sonora de minha angústia. O nó na garganta se afrouxou, a pressão no coração diminuiu. Compaixão: uma, duas, três gaiolas penduradas ao pé do tanque. Um, dois, três canários pulando feito macacos (humanos!) de poleiro em poleiro. Compreensão. Compaixão.
Pobres...amputaram-lhe as asas sem aleijá-los, impediram-nos de voar. Angústia. "Eles alegram o homem", foi a justificativa. Aproximei-me da gaiola, fiquei com o nariz colado na grade, os olhos marejados. Cada canário levava uma pulseira de chumbo no pé (Piu, piu!). Observei a gaiola: uma porção de alpiste, um tiquinho de água e as finas barras de metal (humano!) que delimitavam a senzala. Um, dois, três escravos da melancolia humana. Oh, pobres!
Encarei-os por tempo o suficiente para reavivar a angústia, agora com força redobrada. Não tinha mais jeito, não dava mais para ficar nem na varanda, nem ouvindo as sentenças sem sentido que faziam no interior da casa. Sem poder dizer uma palavra sequer ("Eles alegram o homem"), com a compaixão pelo homem e pelos pássaros lutando dentro de mim, minha atitude foi covarde. Virei as costas para a sala de estar e virei as costas para a senzala; deitei, fechei os olhos e forcei um sonho bom.
Um canto de passarinho penetrou meus ouvidos. D'onde vem? Abri meus olhos preguiçosos e olhei em volta. Tudo era só cimento, azulejo e metal - humano demais, frio demais, triste demais -, no entanto havia, ainda assim, um canto de passarinho, como uma trilha sonora de minha angústia. O nó na garganta se afrouxou, a pressão no coração diminuiu. Compaixão: uma, duas, três gaiolas penduradas ao pé do tanque. Um, dois, três canários pulando feito macacos (humanos!) de poleiro em poleiro. Compreensão. Compaixão.
Pobres...amputaram-lhe as asas sem aleijá-los, impediram-nos de voar. Angústia. "Eles alegram o homem", foi a justificativa. Aproximei-me da gaiola, fiquei com o nariz colado na grade, os olhos marejados. Cada canário levava uma pulseira de chumbo no pé (Piu, piu!). Observei a gaiola: uma porção de alpiste, um tiquinho de água e as finas barras de metal (humano!) que delimitavam a senzala. Um, dois, três escravos da melancolia humana. Oh, pobres!
Encarei-os por tempo o suficiente para reavivar a angústia, agora com força redobrada. Não tinha mais jeito, não dava mais para ficar nem na varanda, nem ouvindo as sentenças sem sentido que faziam no interior da casa. Sem poder dizer uma palavra sequer ("Eles alegram o homem"), com a compaixão pelo homem e pelos pássaros lutando dentro de mim, minha atitude foi covarde. Virei as costas para a sala de estar e virei as costas para a senzala; deitei, fechei os olhos e forcei um sonho bom.
sexta-feira, 6 de abril de 2007
Conversas de Elevador
(07:00 - manhã - indo para o colégio)
-Bom Dia
-*bocejo* bom dia
-Sono, não?
-Ô!
-Ânimo, jovem! Vestibular?
-Só porque estou sendo obrigada.
-Haha, entendo. Um bom dia pra você.
(13:00 - tarde - voltando da aula)
-Ôpa!
-Boa tarde.
-Filha da dona do 701, né?
-É.
-Calor, não?
-Pô, na rua então, insuportável. Acha que chove?
-Acho que não. Talvez mês que vem.
-Não fale um troço desses, não agüento mais.
-Nem eu...er...meu andar; dê um beijo na sua mãe, sim?
-Pode deixar.
(tarde - indo pro curso)
-Thaís!
-Oi, tudo bem?
-Tudo. Vem cá, desistiu da veterinária?
-Uhn...é...mais ou menos. Tá entre psicologia, comunicação e qualquer coisa ligada a artes.
-Você gosta dessas coisas de arte, né? Sua mãe falou...mas a proposta de chamar minha amiga bióloga ainda está de pé!
-Ah, ok! Qualquer dia a gente marca.
-Marca sim. Manda um beijo pra sua mãe.
-Outro pra sua.
(noite - pós-yoga)
-Quer ajuda com as sacolas?
-Não precisa não, viu, filha? Mas obrigada, você é muito educadinha.
-Que nada. Qual é o seu andar? Eu aperto pra você.
-Ah, obrigada, é o 5, sim? Diz à sua mãe que ela educou vocês muito bem, você é muito educadinha. A gente vai envelhecendo e vai perdendo a vista, aí já viu.
-Compreendo. Tem certeza que não quer ajuda? Eu carrego pra senhora.
-Não precisa, não, meu bem. Obrigada. Muito educadinha, muito educadinha.
É isso aí, minha gente. Superamos os assuntos meteorológicos!
-Bom Dia
-*bocejo* bom dia
-Sono, não?
-Ô!
-Ânimo, jovem! Vestibular?
-Só porque estou sendo obrigada.
-Haha, entendo. Um bom dia pra você.
(13:00 - tarde - voltando da aula)
-Ôpa!
-Boa tarde.
-Filha da dona do 701, né?
-É.
-Calor, não?
-Pô, na rua então, insuportável. Acha que chove?
-Acho que não. Talvez mês que vem.
-Não fale um troço desses, não agüento mais.
-Nem eu...er...meu andar; dê um beijo na sua mãe, sim?
-Pode deixar.
(tarde - indo pro curso)
-Thaís!
-Oi, tudo bem?
-Tudo. Vem cá, desistiu da veterinária?
-Uhn...é...mais ou menos. Tá entre psicologia, comunicação e qualquer coisa ligada a artes.
-Você gosta dessas coisas de arte, né? Sua mãe falou...mas a proposta de chamar minha amiga bióloga ainda está de pé!
-Ah, ok! Qualquer dia a gente marca.
-Marca sim. Manda um beijo pra sua mãe.
-Outro pra sua.
(noite - pós-yoga)
-Quer ajuda com as sacolas?
-Não precisa não, viu, filha? Mas obrigada, você é muito educadinha.
-Que nada. Qual é o seu andar? Eu aperto pra você.
-Ah, obrigada, é o 5, sim? Diz à sua mãe que ela educou vocês muito bem, você é muito educadinha. A gente vai envelhecendo e vai perdendo a vista, aí já viu.
-Compreendo. Tem certeza que não quer ajuda? Eu carrego pra senhora.
-Não precisa, não, meu bem. Obrigada. Muito educadinha, muito educadinha.
É isso aí, minha gente. Superamos os assuntos meteorológicos!
sexta-feira, 30 de março de 2007
Cara de banana
Mariana acordou com vontade de fazer coisa bonita, Mariana regou as margaridas.
Pintou sol e mar pra pendurar na geladeira, lavou o cachorro e caiu junto na banheira.
Deitou na grama pra ver nuvens no céu, deu beijo na bochecha da vovó Isabel.
Cantou "ciranda cirandinha" enquanto brincava de boneca, chamou o vizinho pra jogar peteca.
Mariana dormiu cansada na frente da TV. Mariana sonhou que amava você.
Sonhou de princesa em castelo encantado, de Hércules no cavalo alado.
De bicho que fala com gente, de fada-madrinha e fada-do-dente.
De voar pra longe e pra onde quiser, de caramelo e cafuné.
Mariana acordou cedo quando queria sonhar mais. Mariana de mãos dadas com os pais.
Foi andando para escola com a cabeça lá na Lua, tropeçou mais de três vezes pela rua.
Tinha festa na aula e ela estava atrasada, machucou a barriga de tanto dar risada.
Conheceu amiguinha nova e dividiu a merenda, ganhou da Tia um vestido de renda.
Mariana foi dormir de bico porque perdeu o desenho do Pica-Pau. Mariana teve sonho mau.
Quando a escuridão cobria a casa inteira, a menina assaltou a geladeira.
Comeu o bolo de fubá e o pudim de amora; puxa, ela ficou uma bola!
Foi deitar mas continuava tão assustada, que a pobre Mariana acordou mijada.
Pintou sol e mar pra pendurar na geladeira, lavou o cachorro e caiu junto na banheira.
Deitou na grama pra ver nuvens no céu, deu beijo na bochecha da vovó Isabel.
Cantou "ciranda cirandinha" enquanto brincava de boneca, chamou o vizinho pra jogar peteca.
Mariana dormiu cansada na frente da TV. Mariana sonhou que amava você.
Sonhou de princesa em castelo encantado, de Hércules no cavalo alado.
De bicho que fala com gente, de fada-madrinha e fada-do-dente.
De voar pra longe e pra onde quiser, de caramelo e cafuné.
Mariana acordou cedo quando queria sonhar mais. Mariana de mãos dadas com os pais.
Foi andando para escola com a cabeça lá na Lua, tropeçou mais de três vezes pela rua.
Tinha festa na aula e ela estava atrasada, machucou a barriga de tanto dar risada.
Conheceu amiguinha nova e dividiu a merenda, ganhou da Tia um vestido de renda.
Mariana foi dormir de bico porque perdeu o desenho do Pica-Pau. Mariana teve sonho mau.
Quando a escuridão cobria a casa inteira, a menina assaltou a geladeira.
Comeu o bolo de fubá e o pudim de amora; puxa, ela ficou uma bola!
Foi deitar mas continuava tão assustada, que a pobre Mariana acordou mijada.
sexta-feira, 9 de março de 2007
Comunicado da UTI - uma prosopopéia bloguística.
"pip...pip....pip...pip...pip...
-Não morra, blog! Não desista! Não se vá!
piiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiip..."
Aos leitores assíduos (ou não):
Embora eu esteja transbordando idéias para meus textos, falta-me tempo para escrevê-las aqui, e é por isso que este blog entrou em estado de coma nesses últimos dias. Ficou tanto tempo abandonado, pobrezinho, que pensou ter sido esquecido e desfaleceu de tristeza. Não teve jeito, tentei socorrer, mas estava presa num engarrafamento de responsabilidades escolares e não cheguei a tempo. Por sorte alguém chamou por socorro antes do pior, mas já era deveras tarde. Ele estava inconsciente.
Até então não tinha sido proposital, mas agora induzi-o ao coma para que não sofra com a minha ausência e não acabe batendo as botas. Ele é muito novinho ainda, tem só alguns meses de idade, e vocês sabem como são as crianças: os pais somem um bocadinho só e eles já acham que não voltarão nunca mais.
Não se preocupem, amigos, o blog está fora de perigo. Estou anotando os textos futuros em um caderno e, assim que possível, passarei pra cá. Ele vai transbordar alegria assim como eu estou transbordando idéias! Por enquanto, vai mais uma dose de sedativos no pseudo-"ninguém-me-ama-ninguém-me-quer" pra ver se eu paro de brincar de escritora e me concentro nos testes e provas (aliás, não só eu, mas o resto do mundo também. VÁ ESTUDAR!).
Grata pela atenção e compreensão,
mãe do blog.
-Não morra, blog! Não desista! Não se vá!
piiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiip..."
Aos leitores assíduos (ou não):
Embora eu esteja transbordando idéias para meus textos, falta-me tempo para escrevê-las aqui, e é por isso que este blog entrou em estado de coma nesses últimos dias. Ficou tanto tempo abandonado, pobrezinho, que pensou ter sido esquecido e desfaleceu de tristeza. Não teve jeito, tentei socorrer, mas estava presa num engarrafamento de responsabilidades escolares e não cheguei a tempo. Por sorte alguém chamou por socorro antes do pior, mas já era deveras tarde. Ele estava inconsciente.
Até então não tinha sido proposital, mas agora induzi-o ao coma para que não sofra com a minha ausência e não acabe batendo as botas. Ele é muito novinho ainda, tem só alguns meses de idade, e vocês sabem como são as crianças: os pais somem um bocadinho só e eles já acham que não voltarão nunca mais.
Não se preocupem, amigos, o blog está fora de perigo. Estou anotando os textos futuros em um caderno e, assim que possível, passarei pra cá. Ele vai transbordar alegria assim como eu estou transbordando idéias! Por enquanto, vai mais uma dose de sedativos no pseudo-"ninguém-me-ama-ninguém-me-quer" pra ver se eu paro de brincar de escritora e me concentro nos testes e provas (aliás, não só eu, mas o resto do mundo também. VÁ ESTUDAR!).
Grata pela atenção e compreensão,
mãe do blog.
quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007
Verbos de Ligação Conjugados
Ser quem sou
É estar à procura
De algo que nem sei
É como ficar estático
Em um plano instável
E embora eu pareça segura
Permaneço à mercê da busca:
Continuo à procura
Ando à procura
Torno-me a procura
De algo que nem sei
segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007
Requiem para uma semana
Numa tarde de Domingo, as nuvens negras escondem o sol e os trovões anunciam tempestade. Aos poucos formam-se gotinhas, gotas, gotões. E mais trovões. E mais raios. Luz e som, escuridão e silêncio.
O mendigo, que dormia em frente à padaria, se encolhe sob a marquize numa vã tentativa de manter-se seco. Vã, porque o vento segue a lamentar as desgraças da semana que passou e com seu lamento a chuva cai sem rumo, molhando todo e qualquer lugar como se quisesse lavar o sangue inocente que foi derramado.
O vento é o uivo de dor dos desesperados. As nuvens, negras de pavor e fúria, são o semblante daquele que vê a humanidade se auto-destruir. E a chuva - oh, a chuva! - são as lágrimas de quem já não sabe mais no quê acreditar.
Do 7º andar de um prédio velho, eu olhei por entre as cortinas. Não apenas olhei, mas vi: o mendigo que se encolhia, e a chuva que caía, e a rua que enchia. Além de toda a desgraça nacional - pensei - ainda há esse clima revolto.
Chova, chuva! Vente, vento!
Só o medo e a decepção é que botam juízo na cabeça dessa gente!
Como se atendessem ao meu pedido,
A chuva caiu em prantos,
O vento soprou lamúrios,
Clamando a atenção do povo.
A piedade, a justiça...
Cadê?
Da janela, eu continuei a observar por um bom tempo, rosto colado à vidraça, compartilhando das lágrimas de outrem.
Observei silente, pasma, ferida.
Porque quem cala consente.
O mendigo, que dormia em frente à padaria, se encolhe sob a marquize numa vã tentativa de manter-se seco. Vã, porque o vento segue a lamentar as desgraças da semana que passou e com seu lamento a chuva cai sem rumo, molhando todo e qualquer lugar como se quisesse lavar o sangue inocente que foi derramado.
O vento é o uivo de dor dos desesperados. As nuvens, negras de pavor e fúria, são o semblante daquele que vê a humanidade se auto-destruir. E a chuva - oh, a chuva! - são as lágrimas de quem já não sabe mais no quê acreditar.
Do 7º andar de um prédio velho, eu olhei por entre as cortinas. Não apenas olhei, mas vi: o mendigo que se encolhia, e a chuva que caía, e a rua que enchia. Além de toda a desgraça nacional - pensei - ainda há esse clima revolto.
Chova, chuva! Vente, vento!
Só o medo e a decepção é que botam juízo na cabeça dessa gente!
Como se atendessem ao meu pedido,
A chuva caiu em prantos,
O vento soprou lamúrios,
Clamando a atenção do povo.
A piedade, a justiça...
Cadê?
Da janela, eu continuei a observar por um bom tempo, rosto colado à vidraça, compartilhando das lágrimas de outrem.
Observei silente, pasma, ferida.
Porque quem cala consente.
domingo, 4 de fevereiro de 2007
Um brinde às férias!
Aos lugares descobertos, aos filmes assistidos, aos livros lidos, às noites muitíssimo bem dormidas, aos dias de farra, à desobrigatoriedade integral, aos primos que somem durante o ano letivo, às comidas maravilhosas do Natal, aos costumes superados e concebidos, aos pacotes de expansão do The Sims 2, às preocupações idiotas que parecem graves, ao tédio, aos shows, às noites que saímos para dançar, às pessoas que conheci e às que fizeram valer a pena.
TIM TIM!
quanto ao caderno novo (adoro!), ao ano novo, ao conhecimento novo e às notas baixas em geografia que estão por vir: boa sorte pra mim.
TIM TIM!
quanto ao caderno novo (adoro!), ao ano novo, ao conhecimento novo e às notas baixas em geografia que estão por vir: boa sorte pra mim.
quarta-feira, 31 de janeiro de 2007
Guerra dos sexos
Às leitoras: "Bigamia é ter um marido em excesso. Monogamia também." - do livro Medo de Voar, da Erica Jong.
Aos machistas egocêntricos do meu Brasil varonil: veremos, veremos...
Perdoem-me, exceções à regra. Eu não ignoro vossa existência.
[no auge do meu ódio da cara-de-pau masculina]
Aos machistas egocêntricos do meu Brasil varonil: veremos, veremos...
Perdoem-me, exceções à regra. Eu não ignoro vossa existência.
[no auge do meu ódio da cara-de-pau masculina]
quinta-feira, 25 de janeiro de 2007
02:08 - Chá com biscoitos
Ontem de noite fiz uma festa aqui em casa. Desculpe se não chamei você, leitor, mas é que decidi de última hora, entende? Já eram duas e pouca da manhã quando me veio a idéia. Um tanto tarde para uma festa inusitada, eu sei, mas deixe-me explicar.
Tudo começou depois que assisti À Noviça Rebelde e senti-me insuportavelmente só - deixe-me frisar que eu estava sem internet. A Noviça Rebelde é um filme que anima até esqueleto de defunto, mas mesmo assim, por causa dos hormônios de fim de mês, deprimi (nem A Noviça Rebelde anima TPM). Resolvi então dar uma "reuniãozinha", e chamei todo mundo que ainda estava acordado aqui das redondezas do meu apartamento.
Preparei algumas xícaras de chá de maçã, separei um pacote de biscoito vagabundo e liguei o rádio bem baixinho. Cantei junto, quase aos sussurros, música após música. Meu quarto estava bastante vazio sem o computador, então fiquei sentada no chão, enchendo a cara de chá de maçã e refletindo sobre as desventuras da vida. Foi uma festa e tanto, gostosa que só ela! Uma pena você não ter vindo, leitor.
Por fim, como acabaram o chá e os biscoitos, despedi-me dos convidados e fui dormir. E dormi muitíssimo bem, obrigada.
Pela boa noite de sono e o fim do mau-humor, quero registrar meu agradecimento aos que se fizeram presentes na noite passada: Chico, Marisa, Elis, Arnaldo, Carlinhos e Paulinho. Vocês foram uma companhia maravilhosa!
Tudo começou depois que assisti À Noviça Rebelde e senti-me insuportavelmente só - deixe-me frisar que eu estava sem internet. A Noviça Rebelde é um filme que anima até esqueleto de defunto, mas mesmo assim, por causa dos hormônios de fim de mês, deprimi (nem A Noviça Rebelde anima TPM). Resolvi então dar uma "reuniãozinha", e chamei todo mundo que ainda estava acordado aqui das redondezas do meu apartamento.
Preparei algumas xícaras de chá de maçã, separei um pacote de biscoito vagabundo e liguei o rádio bem baixinho. Cantei junto, quase aos sussurros, música após música. Meu quarto estava bastante vazio sem o computador, então fiquei sentada no chão, enchendo a cara de chá de maçã e refletindo sobre as desventuras da vida. Foi uma festa e tanto, gostosa que só ela! Uma pena você não ter vindo, leitor.
Por fim, como acabaram o chá e os biscoitos, despedi-me dos convidados e fui dormir. E dormi muitíssimo bem, obrigada.
Pela boa noite de sono e o fim do mau-humor, quero registrar meu agradecimento aos que se fizeram presentes na noite passada: Chico, Marisa, Elis, Arnaldo, Carlinhos e Paulinho. Vocês foram uma companhia maravilhosa!
segunda-feira, 22 de janeiro de 2007
O Pequeno Prícipe que me cativou
Porta da igreja, em Paraty. A cidade inteira para na frente da igreja de lampiões acesos, para ver a noiva chegando (não são permitidos carros na cidade depois de 18h).
Um menininho de cabelo castanho claro e bochechas avantajadas com um terninho bege, anda para lá e para cá atento a tudo, segurando uma garrafa de água. Essa gracinha aí era o pajem. Papai me cutuca e diz: esse é o Nathan, filho da Mônika (que é minha prima). Eu agacho e falo ao pé do ouvido dele:
-Hey, Nathan. Sabia que eu sou sua prima?
-É mesmo? Qual o seu nome?
-Thaís. Eu tenho 15 anos, e você?
-Eu tenho cinco.
-Deixa eu segurar a garrafinha pra você, depois devolvo.
-Devolve mesmo?
-Prometo.
.
Corta para o dia seguinte. Na praia, no meio do mato, eu e Hayam (mais um primo na história) conversávamos sobre nossas experiências de mergulho. Nadávamos numa região de uns dois metros de profundidade, um tanto longe da costa. Nathan grita:
-PRIMA, NÃO ME DEIXA AQUI SOZINHO!
-Não vou deixar. Quer vir no meu colo?
-QUERO!
-Vem cá. - pego o menino no colo
-Prima, eu te amo.
-Ora, eu também te amo. Você é o menininho mais fofo que eu já vi!
-Eu faço tudo que você pedir! Até lavo louça, até limpo o banheiro...
-Hahaha, então não precisa se preocupar. Nunca vou pedir uma coisa dessas pra você.
Nathan me abraça forte e me dá um beijo estalado na bochecha.
Sorrio pra ele.
.
Corta para a subida da trilha. Mata cheia de miquinhos. Eu subo a passos largos, fazendo frente ao grupo.
Nathan estica o bracinho num gesto de cavalheirismo.
-Pode passar, prima. Eu sou cavalheiro, sempre deixo as damas irem primeiro.
.
Corta para a noite, num restaurante à luz de velas com show de MPB ao vivo. O menininho de cabelos castanhos e bochechas avantajadas está de cabeça baixa, ajeitando a capa do seu super-homem, com um bico deste tamanhão.
-Que foi, Nathan? Tá com sono?
-Tô.
-Deita aqui no meu colo.
Ele deita, ainda emburrado, e fala:
-Amanhã a gente vai embora. Eu não vou mais ver você.
-Vai sim. Você vai lá pra casa.
-Mamãe num vai deixar. Ela disse que é longe.
-Ué, dorme lá.
-Mesmo?
-Mesmo.
-Eu gosto muito muito muito muito muito de você.
-Eu também gosto muito muito muito muito de você. Você é um príncipe encantado em miniatura!
-Sou?
-É sim.
-Então você é uma princesa grande!
-Sou nada. Só você que acha.
-Mas eu acho. De verdade. -e ele dá um beijinho na minha mão. depois vira pro outro lado e dorme.
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Essa confiança extrema e fácil de se conseguir, essa sinceridade cabal, essa inocência imaculada...essas só as crianças têm.
Pena que não exista a Terra do Nunca.
Um menininho de cabelo castanho claro e bochechas avantajadas com um terninho bege, anda para lá e para cá atento a tudo, segurando uma garrafa de água. Essa gracinha aí era o pajem. Papai me cutuca e diz: esse é o Nathan, filho da Mônika (que é minha prima). Eu agacho e falo ao pé do ouvido dele:
-Hey, Nathan. Sabia que eu sou sua prima?
-É mesmo? Qual o seu nome?
-Thaís. Eu tenho 15 anos, e você?
-Eu tenho cinco.
-Deixa eu segurar a garrafinha pra você, depois devolvo.
-Devolve mesmo?
-Prometo.
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Corta para o dia seguinte. Na praia, no meio do mato, eu e Hayam (mais um primo na história) conversávamos sobre nossas experiências de mergulho. Nadávamos numa região de uns dois metros de profundidade, um tanto longe da costa. Nathan grita:
-PRIMA, NÃO ME DEIXA AQUI SOZINHO!
-Não vou deixar. Quer vir no meu colo?
-QUERO!
-Vem cá. - pego o menino no colo
-Prima, eu te amo.
-Ora, eu também te amo. Você é o menininho mais fofo que eu já vi!
-Eu faço tudo que você pedir! Até lavo louça, até limpo o banheiro...
-Hahaha, então não precisa se preocupar. Nunca vou pedir uma coisa dessas pra você.
Nathan me abraça forte e me dá um beijo estalado na bochecha.
Sorrio pra ele.
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Corta para a subida da trilha. Mata cheia de miquinhos. Eu subo a passos largos, fazendo frente ao grupo.
Nathan estica o bracinho num gesto de cavalheirismo.
-Pode passar, prima. Eu sou cavalheiro, sempre deixo as damas irem primeiro.
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Corta para a noite, num restaurante à luz de velas com show de MPB ao vivo. O menininho de cabelos castanhos e bochechas avantajadas está de cabeça baixa, ajeitando a capa do seu super-homem, com um bico deste tamanhão.
-Que foi, Nathan? Tá com sono?
-Tô.
-Deita aqui no meu colo.
Ele deita, ainda emburrado, e fala:
-Amanhã a gente vai embora. Eu não vou mais ver você.
-Vai sim. Você vai lá pra casa.
-Mamãe num vai deixar. Ela disse que é longe.
-Ué, dorme lá.
-Mesmo?
-Mesmo.
-Eu gosto muito muito muito muito muito de você.
-Eu também gosto muito muito muito muito de você. Você é um príncipe encantado em miniatura!
-Sou?
-É sim.
-Então você é uma princesa grande!
-Sou nada. Só você que acha.
-Mas eu acho. De verdade. -e ele dá um beijinho na minha mão. depois vira pro outro lado e dorme.
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Essa confiança extrema e fácil de se conseguir, essa sinceridade cabal, essa inocência imaculada...essas só as crianças têm.
Pena que não exista a Terra do Nunca.
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