terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Entreouvido por aí: na depilação

- Boa tarde, qual o serviço que a senhora deseja?
- Só a área de lazer.

sábado, 13 de dezembro de 2008

Você está de saco cheio quando:

- Fica triste ao acordar, e portanto dorme até depois do meio-dia.
- Evita algumas pessoas, por razões específicas.
- Evita algumas rodas sociais, por razões ainda mais específicas.
- Começa a ver razões específicas em tudo.
- Come mais em um dia do que costumava comer em uma semana.
- Fala mais palavrões por minuto do que costumava falar em uma semana. E não sente vergonha.
- Ri maleficamente quando alguém comenta que "você tá estranho(a)".
- Se sente parte do Show de Truman (e alguém reafirma essa teoria).
- Manda à merda qualquer pessoa que vier com discurso de livro de auto-ajuda e/ou ditos de Igreja, dentre as quais:
"É só você querer pra conseguir"
"Mentalize. Tem que ter pensamento positivo, porque energia negativa atrai coisas negativas" (este, além de irritante, vai contra as leis da física)
"Tenha fé em Jesus"
"Reze minha filha. Reze pedindo o que você quer que Deus nosso Senhor vai te ouvir"
ou até mesmo
"Faz um pedido antes de soprar a velinha!"
- Diz "vassifudê" pra objetos inanimados - inclusive o Orkut e todas as sortes do dia a ele vinculadas.
- Passa a irritar propositalmente as pessoas que te irritam.
- Tem discussões que não levam a nada pelo simples prazer de dizer ao fim da briga "eu odeio [acrescente aqui o substantivo desejado]".
- Entende e concorda com Sweeney Todd em todos os pormenores.



Juro que não é nada pessoal.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Pra boi dormir

Prefácio: Isso que dá tomar meio litro de café às 20h: tô sem sono. Nada, nada, nada. Vou ficar aqui, escrevendo. Só não sei sobre o quê.
*grilos cricrilando*

Capítulo 1:
Ah, tinha um inseto na minha cortina!
Eu primeiro pensei que era uma baratinha, depois vi que era mais cascudo do que isso. Aí achei que fosse um besouro, mas era pequeno demais, magro demais. Concluí que era um estágio pra percevejo. Definitivamente um quase-percevejo, só que sem fedor.
Abri a janela pra ele sair, e nada.

Capítulo 2:
Aparentemente Godofredo - como eu o batizei (um nome engraçado pra um bicho engraçado) - gostou do meu quarto. Não voou; ficou lá, mexendo as anteninhas. Se eu não tivesse com tanta preguiça - porque o corpo tá cansado, a cafeína só tira é a capacidade de dormir, mesmo - teria pegado uma lupa para analisá-lo mais de perto. Simpatizei com Godofredo. Sorri pra Godofredo. Godofredo acenou pra mim com as anteninhas. Voltei a digitar mais leve. "Tem um inseto não-identificado na minha cortina, a vida é bela". Até as náuseas passaram com a presença de Godô no meu quarto. Pensei em realmente adotá-lo; senão como companhia, como remédio. Godofredo devia ter poderes milagrosos, uma aura benta, sei lá. Só sei que me curou.

Capítulo 3:
Vez ou outra ele dava uma andada, mas sem sair da cortina. Tinha patas feias, dessas de besouro rola-bosta. Donde vem tantos insetos, meu Deus? Sério, tem muito nessa cidade. Já apareceu uma cigarra na sala, uma mariposa no banheiro e uma esperança na estante - só o bicho, infelizmente.

Capítulo 4:
Mas então, como eu dizia, o quase-percevejo Godofredo Astolfo (porque a essa altura ele já tinha um sobrenome) continuou lá, paradão, lendo as minhas conversas aqui no MSN, quando mamãe veio, deu um berro e mandou Doutor-cura-vômito pro beleléu.
Segue o diálogo pré-inseticídio:
- Olha, mãe tem um bicho na minha cortina *voz meiga de criança apatetada*
- AH! ESSE BICHO PICA!
- Pica nada, ele é mágico!
- Pica sim, peraí!
- Não mata!
* Mãe pega papel. Mãe amassa Godofredo. Barulho de bicho cascudo se contorcendo. Morte de Godofredo.*
- Eu disse pra não matar, mãe! Era só botar ele do lado de fora da janela!
- Eu não matei, só embrulhei* ele no papel toalha.

Foi assim que minha mãe (com uma péssima justificativa) matou um inseto-mago justo nos primeiros minutos do seu aniversário.
E Godofredo não fedeu, o que reafirma seus poderes curativos através da teoria de que é mais provável um ET tomar a forma de inseto pra remediar meus engulhos do que um percevejo não feder quando amassado.

Capítulo 5:
Seremos invadidos em represália?

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*Nota para o eufemismo: embrulhar < amassar < matar.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

There was a pretty little girl
in a cold, strange old world
that, she knew, was not kind,
wasn’t a friend, but in her mind
it was just a grammatical question;
First, she treated it as “him”,
and wrote His name as he was a king,
as no one before had ever mentioned


The World


Like an emperor, a king or a god,
the World is full of people,
and people are fool and odd;
She started smiling to everyone
and, though they didn’t smiled back,
she persisted; they were dumb;
She kept smiling, so they could see
she loved them all: loved you, loved me;
From time to time a pure soul
would answer her (what a goal!);
A timid smile from the bus’ backseat
from someone that thought she was weird;
It was clear that nobody, besides that girl
called that planet with capital W;
Nobody there had thought before
that they probably wouldn’t see her anymore;
The World is enormous and people vanish;
If not for death, they are simply banished
from other people’s lives without a clue
(as said before, the World is full);
If they knew it, then that timid smile;
would be no longer pity, but goodbye.
And seeing people just for an erasable second
wouldn’t be strange, or sad, or scheming,
for each smile would be a World pulse echo,
a brand new delightful feeling.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Porque passarinho morre tão bonito

Prepare-se para o relato de um dia repleto de verdades irrefutáveis:

No auge da forma, no ápice da árvore, sabe-se lá como passarinho cai no chão. Quem já viu rolinha morta bem sabe: a ave que parece folha caída; os olhinhos fechados, o bico semi-aberto num último suspiro.
Até esse dia eu não sabia que formiga comia passarinho - o mundo dá mesmo muitas voltas! É como um frango comer humano assado, ou uma vaca beber do nosso leite, deixando o nenê desmamado preso pra virar vitela. Até esse dia eu tinha nojo de bicho morto.

(Tentei não retornar a isto, mas é inevitável: o pombo morre feio. Outro dia atravessava a rua quando um carro veio e BUM!, pena pra tudo quanto é lado. Vê-se pombo torto, amassado no asfalto, vísceras em decomposição. Já a rolinha parece um anjinho caído do céu, com as asinhas escancaradas numa última tentativa de voar. Se morto falasse, a rolinha suspiraria "ai de mim!". Se morto falasse, o pombo gritaria esganiçado.)

Até esse dia eu tinha nojo de bicho morto, mas a rolinha estava tão bonita que eu fiquei olhando. Não dava tristeza ver aquilo, dava uma espécie de extrema compreensão. Não que eu tenha tendências suicidas - até porque a rolinha não me parecia suicida-, é apenas uma questão de inevitabilidade e aceitação (o que em muito difere de resignação). Cair da árvore, para a rolinha, era inevitável. Encontrá-la à mercê das formigas, para mim, era inevitável.
"Que capricho do destino é ser comido pela própria comida!", pensei enquanto via a sombra negra dos insetos se amontoando sobre o defuntinho. É quase canibalismo. A formiga come a rolinha e a rolinha come a formiga - então a rolinha, de certo modo, come a rolinha!
Aí a gente tenta pintar o quadro com lápis aquarela, e acha que a rolinha vira parte da rolinha. Tão mais bonito que ser simplesmente decomposta! A rolinha, como a fênix, não morre: transcende. Assim como as inevitabilidades transcendem a lógica.
No dia seguinte não havia nem o bico ao pé da árvore pra provar que o meu conto não é só uma metáfora.



Façamos 1 minuto de silêncio pela rolinha que jaz empilhada na despensa do formigueiro.
(...)

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

"Na África, cada ancião que morre é uma biblioteca que se queima”.
(Amadou Hampâté Bâ)

Não só na África, Amadou.
Não só na África.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Oração ao meu deus

Tempo nosso, que está em toda parte
O porvir é consigo
Bendito é quem o controla entre os mortais
E bendito é o fruto da sua passagem - esquecer
Seja sempre feita a sua vontade
desde que ela garanta o pão nosso de cada dia
Não nos deixe cair em tentação
Adiante-se quando estivermos fatigados
e detenha-se quando estivermos contentes
Agora e na hora de nossa morte
Amém

domingo, 7 de setembro de 2008

Pena de pombo

Tinham dois pombos bebendo a água que escorria da calha azulada. Chovera no dia anterior; do cano pingava uma gota de cada vez, e enquanto um pombo esperava, o outro bebia; revezavam.
Porém, dentro a calha estava toda enferrujada. Os pombos por dentro também deviam estar muito podres; as vísceras, os vermes todos. Os pombos devem ter muitos vermezinhos com os quais praticam simbiose pra não morrerem intoxicados pela água impura que bebem. São quase ratos, só que ninguém os quer pra fazer teste de laboratório.
Já vi pombos bebendo água de esgoto - ou há muita sede, ou muita resistência gustativa e imunológica. A água do esgoto é bonita se a gente vê com olhos de criança a paisagem que ela reflete. Quando chove, as poças d'água refletem os prédios, o céu, os fios de alta tensão e os pombos que pousam nos fios. O pombo feioso e sujo, com aquele intrigante colarinho esverdeado. Parece que o pombo tá sujo de óleo, feito vítima de desastre ecológico, e aí eu tenho vontade de cuidar. Só que humano não pode encostar em pombo; dá doença. Chama-se "toxoplasmose". Lá em Novo Hamburgo um pombo apareceu com a asa quebrada, eu peguei no colo pra tirar do meio da rua e a moça disse: "lava essa mão que esse bicho é nojento". Passou até remédio em mim. Foi assim que aprendi: não pode! Ai-ai-ai!
Tem pombo mutilado, tipo veterano de guerra; não tem pata, voa torto, o bico quebrado, as penas caindo. Mas a gente não pode fazer nada porque o pombo tem doença. E como a gente não pode fazer nada, só assistir àquela miséria, a gente tranforma compaixão em asco e faz cara de nojo quando ele dá rasante. A reação que me dá ao ver pombo mutilado é das mais desagradáveis: dó e auto-censura; nojo dele e ódio de mim porque o coitadinho não tem culpa de ser o que é. Travo uma verdadeira batalha de valores e nunca sei o que é o certo de se sentir.
O pombo é um bicho incompreendido porque ninguém fala com voz afetada quando vê as suas crias. Ninguém sequer usa o diminutivo quando se refere a elas: são filhotes de pombo, não são filhotinhos. Já tentaram acertar uma bola de basquete num filhote de pombo, eu gritei "pára! pára!" e o passarinho voou. Pombo é tão incompreendido que a gente esquece que ele também é passarinho, que voa, e que se inclui em todas as metáforas de liberdade e beleza que a gente faz em relação às aves.
Eu tenho pena de pombo, especialmente daqueles que compartilham a água, porque ser pombinho hoje em dia não é fácil nem pra ser humano. Porque a beleza daquela cena só existiu enquanto eu olhei de longe, esqueci as vísceras, os vermes e a ferrugem.
Às vezes a ignorância é uma dádiva.


-
ps.: Por que eu fico tão obcecada por coisas e pessoas sem importância?

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Eu mitifico as coisas - parte I

Eu mitifico as coisas. Acho que esse é meu maior defeito.

Parte I - Personificação
Personifiquei Rosinha, Sebastian, Pandora... Engraçado que nem todas as personificações tem relação direta com a minha emotividade; descobri que personifiquei meus lugares preferidos também, só porque querem destruir um deles - o Paissandu.
De todos os cinemas cariocas, o meu favorito era esse. É, eu falo como se já o tivessem matado. Pra mim ele tá morto desde que li a notícia. Por um tempo me perguntei se deveria ou não participar das sessões-finais-a-preço-de-banana em sua homenagem, mas decidi que não. Acho que eu choraria. Prefiro lembrar dele como o local das sessões solitárias, da pipoca insossa, o templo da minha auto-suficiência emocional.
O Paissandu não foi um marco na minha história. Nunca conheci ninguém lá, não foi onde eu vi o melhor filme da minha vida; normalmente me escondia nele quando tava afim de ficar só ou quando haviam eventos imperdíveis como a sessão dupla Daniele Thompson e os Festivais de Cinema (o do Rio e o da França). Você não esbarra em conhecidos no Cinema Paissandu do século XXI (em 1968, talvez; outros tempos, outra história), e isso, que pra mim é uma vantagem, deve ser um dos principais motivos do assassinato.
Comprava-se o ingresso quase sem fila, nada de lugar marcado. Enquanto a sessão não começava, Sorvete Itália e Aterro. Às vezes pipoca doce do carrinho ali da frente (esse sim tinha pipocas gostosas!), que é mais barato. Conversava-se com desconhecidos na expectativa do início do filme - "sabia que o principal é filho da diretora?".
Aposto que eles nem consideram isso um crime. Devem achar que é só eutanásia, que o Paissandu já tava meio morto... tava nada. Paissandu era um local de vida pulsante, porém silente (só porque se está quieto se está morto, é isso?); era um lugar de quase-sonho: as poltronas vermelhas de couro, o senhor de cabelos brancos que picotava os ingressos na entrada, a única sala cheinha de gente quando o filme era aclamado pelos críticos.
Não dá pra imaginar ainda o que vão ser dos Festivais sem o Paissandu. Ano passado foi o único a receber a maratona de filmes franceses. Onde será esse ano? E quando eu estiver de saco cheio, pra onde é que eu vou? Matarem o Estação Paissandu é, para mim, como queimarem a Cláudio Coutinho, ou drenarem a Lagoa - um abuso de poder, um egoísmo, uma ofensa à história. Talvez se eles pensassem na blockbusterização dos demais cinemas mantivessem esse, com suas histórias singelas, vivo. Em nome dos bons tempos em que as pessoas davam valor às pequenas coisas.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Para calar meu grito mudo

Eu quero me trancar num baú e engolir a chave
Quero assistir lá de dentro a minha própria alma
Quero assistir lá de dentro à minha própria alma
Vou velar a minha emotividade

Quero me enterrar num baú e me trancar na chave
Quero engolir lá dentro a minha própria alma
Quero engolir lá dentro da minha própria alma
a minha emotividade

Quero me engolir num baú e enterrar a chave
Quero trancar lá dentro a minha própria alma
Quero me trancar lá dentro da minha própria alma

Vou velejar no velório da minha emotividade
levando comigo uma luneta, pois ver miúdo cansa a vista
E sem visão, tudo cansa.

terça-feira, 22 de julho de 2008

Quando as férias geram claustrofobia

Não é que eu dependa dos outros pra ser feliz. É que ficar trancafiada dentro de casa dia e noite, noite e dia é um saco. E sair sozinha, senão para ver um excelente filme num excelente cinema de rua, é frustrante.
Minhas opções então se limitam a:
ir para o refúgio
ou
ver Molière, o filme do Romain Duris.

Tá.
Isso, é claro, na hora que eu acordei; não agora, porque tá tarde demais pra ir pro refúgio & pra ver Molière (Paissandu às 21h sozinha é "oi, me assaltem" total). Molière passou pra quinta-feira, então. E eu passei do nível suportável de tédio (o downloadomaníaco) pro nível mais profundo do pântano do fastio.
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A ver:

MEDIDOR DE TÉDIO
(e suas respectivas conseqüências)

1- Culto = não só não é perigoso como é saudável, também. É aquele dia em que você acorda sem nada pra fazer e pensa com um sorriso: "vou peregrinar pelas locadoras da Tijuca" ou "vou garimpar livros/DVDs num sebo/nas Lojas Americanas". É divertido até um certo ponto: o momento em que você viu tantos filmes ou leu tantos livros que não consegue mais se concentrar.

2- Downloadomaníaco = Você começa a sofrer uma leve preguiça de sair de casa. Acorda e vai direto pro computador. Baixa CDs compulsivamente. Também não é exatamente doentio, não se você baixar até 10 CDs por dia. Quando passa disso (e pior, você escuta todos enquanto baixa mais, obstinadamente) a coisa complica. Já tive casos de fazer apostas comigo mesma, como "aposto que consigo baixar 1 em cada servidor em menos de 1 hora".
.
3- Pantufóide = Tá, agora é preocupante. Você troca o pijama às 16h da tarde. Veste pantufas, camisas que ganhou da sua avó ("Agüenta que é penta!" e "Mc Dia Feliz 2003" também valem) e mantém olheiras de zumbi. Sua vida se limita a comer, dormir e tomar banho. Longos banhos. O nível de irritabilidade cresce e você não sabe exatamente porque. Óbvio que a clausura está te enlouquecendo aos poucos, mas você ainda não é capaz de perceber.
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4- Criar raízes = Você tem preguiça de suprir suas necessidades mais básicas: vai mijar quando a bexiga está quase explodindo; não troca mais de roupa: troca de pijama. Comer perde a graça. Você se entrega aos joguinhos em flash, ou a jogos de carta sozinho, ou a passatempos de jornal (sudoku e derivados). Eu costumo fazer doces complicados, desses que levam uma vida pra ficar prontos. Cookies, tortas gigantescas com glacê... e o pior é que você não come, porque não tem fome. Como poderia, se você passa o dia sem gastar um grama de energia?
.
5- Pântano do fastio = Dá-se início ao cultivo de ódio pela raça humana. Você liga pra toda a agenda do seu celular, inclusive pra aquelas pessoas que você não devia em hipótese alguma chamar pra sair. Todos os seus princípios do tipo "não saio com Fulana pra tal lugar porque ela bebe demais e fica dura de aturar" se esvaem. É capaz de você pôr no jornal o anúncio "Fulana, vamos sair pra beber!" por puro desespero. Se você alcançou esse nível, se interna. Ou então me liga e vamos fazer alguma coisa!

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Autoflagelo: os (meus) lugares-comuns.

Não quero escrever tudo certinho, nem pontuar de forma impecável, mas também não quero tranformar este blog num diário. Quero tranformá-lo nele próprio, quero que ele não deixe de ser, e ele está deixando... apesar de sabê-lo, não quero criar histórias. Também não quero matar Anabela e Thiago, gosto muito de ambos, quero só torturá-los psicologicamente e ver até onde podem suportar (não sou muito melhor que um cientista nazista - não no que diz respeito às minhas personagens). Mas também não quero falar de processo criativo, nem de metalingüística, embora provavelmente vá acabar falando de um ou outro ou ambos. São lugares-comuns¹ da autora.
Não darei desculpas pelo meu writer's block, até porque não há writer's block nenhum. It's just too much time spent on too much things that do not seem related to each other. Eu não devia perder tempo, é claro. Mas procrastino. Procrastinar é meu lugar-comum.
Vejo este blog hibernar e vejo a mim também. Que nem árvore no outono. Eu sou as folhas do outono. Ou a seiva de uma árvore siberiana - há árvores na Sibéria? Existo, mas não sinto, nem me faço sentir. Plantificar é um recém-adquirido lugar-comum. Foi uma visita breve, a princípio, mas gostei da idéia de criar raízes e fotossintetizar nutrientes e não pensar e, literalmente, vegetar. Vegetalizar, veja bem: vegetalize-se mentalmente. Façamos um lugar-comum comunitário.

Nada, porém, vence a trivialidade do meu lugar-comum mais amplamente utilzado: as cores. Estão em toda parte; nos meus textos, no meu orkut, no meu quarto, nos meus cadernos - até no Sebastian², coitado. Deve ser uma espécie de frustração por não saber desenhar³. Por isso às vezes acho que mudar o layout desse blog o tempo todo resolveria o problema de sua impessoalidade. Tranformaria este blog no meu lugar-comum preferido, um lugar-de-lugares-comuns, um lugar-lugar-comum, 2x(lugar) + comum.

Lugar-comum é um sinal de vida, quase uma pulsação.
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1
Lugares-comuns preferidos (sim, é parcialmente irônico):
1- Chegar atrasada. Clichê da minha pessoa. (irônico)
2- Colorir - mentalmente - a vida. Descobri que é um lugar-comum do Erico Veríssimo também. Leiam seus prefácios. (não-irônico)
3- Tudo, tudo relacionado à Rosinha. (não-irônico)
4- Não saber o que fazer. (irônico)
5- Pessimismo. (irônico)

2
Devo uma explicação sobre Sebatian ou já os apresentei? Caso não o tenha feito, Sebastian é ninguém mais ninguém menos que o meu caderno personificado. Não, não é um diário sentimentalóide. Abomino diários sentimentalóides. E eu não o chamo de "Querido". É só mais fácil escrever sobre as coisas que você não quer que ninguém leia quando se imagina que alguém as está lendo.

3.
Lista das cinco coisas que quero fazer se passar no vestibular este ano:
1- Faculdade de Comunicação Social
2- ... e de Psicologia também.
3- Aula de desenho/pintura/escultura.
4- Curso de francês ou italiano - ainda não decidi
5- Yoga.

sábado, 26 de abril de 2008

Energia limpa

Outro dia chamaram de mito: tudo suja, tudo polui, tudo degrada.
Mas pra quê aquecer os miolos e a atmosfera do planeta?
Pra quê decorar 1973 com todos os seus pormenores?

A resposta não é petróleo, urânio, nem biocombustível.
Lamento informá-lo, Sr. Burns: é o amor* que move o mundo.
E eu duvido que consiga extraí-lo ou refiná-lo.

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*Nem sempre é uma forma menos egoísta e mais limpa de se mover o mundo. Mas sonhemos alto, né...

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Antropofagia

Perdeu num jogo a razão de existir, e em pouco tempo não dormia mais. Sua alimentação restringiu-se a algumas frutas. Seus gestos, embora parecessem idênticos, eram agora dissimulados. Foi perdendo a força para rir, para falar. Dizia meias verdades. E, por serem meias, ninguém sabia distinguir o real do inventado.

A crise começou em meados de Outubro. Como uma flor nascida no asfalto, nasceu dentro dele uma vontade de ser melhor. Mas a chuva não vinha, e a flor murchava. Quando murcha, veio o vento, despetalando-a em malmequer. E as pétalas voaram longe, qual dente de leão, 'prá nunca mais voltar.

Com o caule seco pendendo inútil sobre o cimento, viu que aos poucos a grama brotava ao seu redor, sobrepondo-se ao cinza fosco da calçada. Reanimado, encheu-se de esperanças e tornou-se cerejeira, matizando a paisagem. Agrupou gramíneas aos seus pés, e as ervas daninhas tornaram-se gérberas; e as gérberas, plátanos; em breve constituindo Mata. Sentindo-se sufocar por uma ou duas orquídeas, arrancou-as; e percebeu que perdera as folhas, os ramos, os frutos... era cacto no sertão - e no sertão não chove.

Num dia como qualquer outro, no entanto, veio o Homem. Um homem de barba branca, queimado de sol. Um homem de dentes amarelados e raros. Um homem acostumado à vida maçante.
Cortou o talo do homem-planta (eutanásia), bebendo o elixir que nele havia. E o Homem tornou-se jovem, gênio, gente. O Homem tornou-se tudo que o cacto não podia mais ser.

terça-feira, 15 de abril de 2008

Matemática das horas

Não devia escrever agora!
Não devia!
Apenas vinte e quatro horas
compõem o meu dia.

Quiçá com trinta e seis finalmente eu dormisse oito;
Capturando em sonhos as idéias ao léu
para proporcionar à escrita o seu esquisito coito:
Caneta sobre papel.

Quiçá com setenta e duas eu matutasse quatro,
afastando (quiçá, quiçá) o egocentrismo crasso
que corrói qualquer súbita visão idônea
com o fatigante ser-ou-não-ser da insônia.

O fato é que meu dia tem apenas vinte e quatro horas,
e três vezes oito não me bastam;
Fossem um pouquinho maiores, meu Deus,
saciar-me-iam.

Dê-me!
Dê-me?

Mas que direito tenho
de pedir outro bocado de Tempo,
se o (pouco) Tempo que Tu me dás
é tão encantadoramente escasso?

No fim da conta, minha semana torna-se longa:
Um dia de Ascensão,
cinco horas de Apogeu,
e sete dias de Queda.

(Ouço Tua resposta, num sussurro do Vento: "Paciência, minha filha. Paciência.")
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Thaís de Carvalho promete a si mesma que, a partir de hoje, não se negará o direito à leitura e à escrita.

domingo, 16 de março de 2008

Interlúdio (nem Anabela, nem Thiago)

Algumas manhãs depois da Bifurcação, Anabela acordou arrasada. Tinha olheiras cinzentas, a face marcada pelo bordado do travesseiro e vontade nenhuma de sair da cama. Ficou deitada de costas, com os olhos semiabertos e o corpo preguiçosamente esticado. Olhava o teto cor de marfim e não pensava em nada; não via nada; não sentia nada. Tendo acordado mais cedo do que de costume, permaneceu hipnotizada até o despertador tocar e arrancá-la de seu transe.
Anabela sentou na beira do colchão e coçou a nuca. Suspirou lenta e profundamente - as mãos comprimidas contra o rosto -, levantou-se e caminhou até o banheiro, ainda descabelada. Ligou o chuveiro. Pôs a mão para dentro do box, tomando coragem. A água estava fria.
Determinada (ou masoquista, ou louca, ou tudo junto), encarou a gelidez do líquido meio encolhida, sentindo-o escorrer por suas costas, encharcar-lhe os cabelos e esfriar-lhe a mente; sentindo cada gota d'água sobre seu corpo, com os dentes rangendo, ensaboando-se num quase abraço. O frio fazia Anabela sentir-se viva. E a vida parecia grande demais naquele momento. Conseqüentemente (conseqüentemente?), ela sorriu.
À noite, depois de um dia excessivamente ordinário (reviu projetos, fez cálculos, construiu maquetes, prendeu o cabelo em um coque enquanto desenhava), sentiu-se exausta. Atirou-se sobre a cama, ainda de sapato bico fino, de bruços. Colou o travesseiro ao rosto e soltou um grito ensurdecedor inaudível. Afogou-se no travesseiro. Prendeu a respiração.


Mas acalme-se, leitor! Anabela não cometeu suicídio! E não o fez por três bons motivos:
1. Ainda sentia a vida como algo grande demais. Conseqüentemente (conseqüentemente?), queria viver.
2. Talvez pela razão anteriormente citada, talvez por instinto de sobrevivência... Anabela jamais conseguiria sufocar a si mesma. Alguns segundos após afogar-se no travesseiro, já respirava ofegante, simultaneamente pelo nariz e pela boca, com o coração batendo desesperado, numa angústia de recém-nascido.
3. Esta que vos fala - ou seja, eu, a autora - está cansada de matar suas personagens. Tanto de matar quando de oferecer-lhes finais infelizes. Assim sendo, sentecio Anabela à vida agradável, felice e preciosa de criatura abençoada pelo criador.
Com essa pequena intromissão minha, tu - leitor - já percebeste que Anabela não sofrerá eternamente nem precisará abdicar da vida para escapar à dor.
Não.
Não mais.
Provavelmente crês que eu estrago o final da história adiantando tudo isto, mas, na verdade, minha intenção é apenas ressaltar que a vida de alguém, quando narrada em terceira pessoa, soa sempre risível e patética.
PS.: Anabela batiza os seus dias apáticos com Earl Grey ao leite; porque há gosto para tudo, até para o gosto ruim.

terça-feira, 11 de março de 2008

Parasitas

Minúsculos, microscópicos.
Engolem, entopem, estragam.
Caminham em suas veias fazendo cócegas. Tatuam listras vermelhas na sua pele - que vêm acompanhadas de um comichão forte qual escabiose demoníaca. Tê-los é estar sentenciado ao suplício eterno; senti-los é adentrar o Tártaro.

Eles coçam; eles caçam.
Alimentam-se de suas células; matam-no de inanição; e digerem sua carcaça esfaimada putrefata.
Escalam suas artérias, deslizam em seus ventrículos, contaminam seus brônquios, nadam em seu cérebro. Quando adormecem, fazem-no em seu bulbo raquidiano. Acordam ainda mais sádicos e trituram seu hipotálamo com pequeníssimos dentes afiados.

É aí que você acorda, lívido, com olhos arregalados de espanto e o suor frio empapando sua face.
Foi só mais uma enxaqueca noturna.

.
.
.
.
.

Alívio.

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Thaís de Carvalho está ficando caduca. Manda que vocês, leitores, culpem o vestibular. E esclarece aos familiares que NÃO quer fazer Medicina (NÃO QUER!).

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Bifurcação (Thiago)

Anabela não aceitou muito bem a idéia da minha viagem. Zombou de mim, com o tom cínico que usa exclusivamente para me irritar. Depois ficou quieta, provavelmente medindo seu descaramento, e para a minha surpresa eu descobri que sentiria a sua falta, e que não estava pronto para deixá-la tão de repente. Ela baixou a cabeça e o seu penteado desmanchou. Ana costumava prender os cabelos em um coque com o lápis quando estava trabalhando, e eu a havia surpreendido com essa conversa.
Cheguei em casa uma hora mais cedo do que de costume. Ela estava inclinada sobre a escrivaninha, mordendo a ponta do lápis com a boca, franzindo a testa frente ao difícil raciocínio que lhe era proposto. Anabela era arquiteta; eu, médico. Toquei seu ombro e disse:
-Nana, precisamos conversar.
Ela consentiu com a cabeça, pronunciou um "aham" meio abafado, riscou algumas coisas no papel à sua frente e levantou-se, sentando logo em seguida na beirada da cama de casal. Disse-lhe, com uma certa apreensão, que eu fora convidado por um hospital londrino a estudar e trabalhar na cidade. Expliquei-lhe que tudo seria pago pela universidade, que era um grande passo na minha carreira, que gostaria de poder levá-la comigo, mas não podia. Deixei claro que a decisão estava tomada - embora eu mesmo não tivesse tanta certeza - e que eu partiria em duas semanas. Ela me perguntou se, durante essas duas semanas restantes, eu continuaria morando lá. Disse que prefiria voltar à casa do meu pai e concentrar-me nos estudos, pois era preciso me preparar. Foi aí que ela ironizou:
- Uma oportunidade única, eu imagino.
Dei-lhe um "aham" como réplica - Ana não gostava de repostas monossilábicas, e eu desejava provocá-la também.
Com dois anos e meio de relacionamento, éramos capazes de prever as atitudes um do outro. Por isso foi tão assustador ver o seu coque se desfazendo e pensar em uma vida sem ela - sem Anabela -, sem suas ironias, suas broncas e seu perfume impregnado no meu pijama todo dia de manhã. Não era tão fácil deixá-la, eu adorava cada traço seu.
Aproximei-me, e ajolhei à sua frente, deitando a cabeça sobre as suas pernas morenas de sol. Como eram belas aquelas pernas douradas!
Então o timer do fogão apitou e eu tinha fome. Pedi para que comêssemos logo - de que adiantava trocar carícias? Minha decisão estava tomada.

Só quando parti no dia seguinte, deixando minha Anabela nua sobre a cama, cogitei a possibilidade de haver de fato um destino que nos aproximasse novamente. Tinha tentado deixar endereço e telefone do alojamento com ela, mas Nana recusou-se a aceitar. Então vesti a calça, abotoei a camisa e calcei os sapatos. Beijei Anabela (Analinda! Anaformosa!) com ternura, sem acordá-la.

Minha decisão estava tomada.
E assim eu parti.

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conheça Anabela em: http://abertoparavisitas.blogspot.com/2008/01/bifurcao.html

sábado, 2 de fevereiro de 2008

Enquanto o lobo não vem

Outrora aquela clareira era mais convidativa. As copas e as folhas entrelaçadas, que formam um pequeno bosque ao seu redor, tinham contornos mais belos. A relva era mais reluzente e o ar mais fresco.
Bastava uma brisa sacodir os ramos das árvores para eu sentir nascer em mim uma vontade - quase um ímpeto - de fazer parte do ballet da natureza. De dançar sozinha entre as árvores, embalada pelo vento, no ritmo do canto de um uirapuru, de um sábia-laranjeira, de um curió...
Quando cansada, estendia os braços e o corpo sobre a grama úmida de orvalho, soltava meus cabelos e deixava o vento emaranhá-los. Pouco a pouco um canto de cigarra tornava-se perceptível e me ninava. Eu fechava os olhos e dormia, acordando horas depois, com o vestido amassado sob a vermelha abóbada celeste do poente.
O céu costumava ser mais azul, as nuvens mais alvas; o silêncio era sinônimo de calma.

Mas o tempo passou. Crescemos (eu e a cidade). E nas desilusões da vida adulta encontrei novamente a minha clareira, infinitamente menos bela, como uma fotografia desbotada pelo tempo. Suas árvores já não têm o mesmo encanto, nem o ar a mesma pureza; seus pássaros migraram para um lugar menos triste, menos cinza, ou foram atraídos por alguma arapuca.
Chego a duvidar deste quadro; o problema deve estar em mim, fui eu que perdi a paleta com que pintava a vida! Então percebo o fato inegável, indubitável...
Não foi o bosque que perdeu a graça, fomos nós que perdemos o bosque.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Bifurcação (Anabela)

Encarei seus olhos, hesitei um instante e falei, meio irônica, meio compreensiva:
- Uma oportunidade única, eu imagino.
- Aham. - ele sempre foi muito objetivo.
Não soube o que dizer. Olhei para os meus pés, sentindo algumas mechas de cabelo escaparem do coque preso por um lápis. Estava sentada na beira da cama, as pernas juntas formando um V invertido, as mãos sobre os joelhos. Descalça, meu dedão esquerdo doía por causa daquela maldita sandália que me faz bolhas.
Pensei em diversos assuntos numa fração de segundo: em como eu detestava a autonomia de suas (nossas?) decisões; no seu semblante tristonho quando me olhava daquela forma inquiridora, como se pudesse ler meus pensamentos, mas optasse por não o fazer em respeito a mim - e em como isso ainda derretia meu coração. Desejei que falássemos alguma coisa, qualquer coisa... Sobre o tempo, que fosse! Mas eu mesma não conseguia pronunciar uma palavra sequer; nem um “por favor, fique”. Sentia-me egoísta e infantil, mas queria demonstrar maturidade.
Continuei fixando os meus pés, como uma criança de castigo, por cinco, dez minutos... em silêncio e dúvida.
Finalmente ele se mexeu. Esteve de pé desde o início, mas agora se aproximava lentamente. Agachou à minha frente e apoiou os braços sobre a minha perna. Depois deitou a cabeça sobre os braços, mexendo a ponta dos dedos num carinho tímido. Também o acariciei, afagando seus cabelos negros ondulados, e assim ficamos por alguns minutos – “Deus queira que pra sempre”, pensei. “Congele este instante”. Em algum momento ele se moveu novamente, e desta vez olhou em meus olhos, sorrindo com o canto da boca; então eu percebi que ele também parecia uma criança de castigo, pedindo desculpas por travessuras impensadas. Com meu cafuné, eu o desculpava.

O timer do fogão apitou, anunciando o jantar. Ele disse num sussurro:
- ‘Tô com fome. Vamos?
Concordei com a cabeça; levantei afastando seus braços - expulsando seus braços! – num gesto de falsa indiferença.
Servi seu prato preferido – spaghetti à bolognesa – e ele pôs um CD do Bowie para tocar. À mesa, sorria para mim entre uma garfada e outra.
Naquela noite jantamos juntos pela última vez. Naquela noite fizemos amor loucamente - e pela última vez.

É curioso como a ausência dói mais quando não há uma data de reencontro pré-determinada. Só o que restou de lembrança quando ele partiu foram pratos sujos de molho à bolognesa, que eu poderia ter lavado com lágrimas, tamanha a minha dor, mas assimilei choro a fraqueza e não chorei.
A louça e a saudade precisavam ser lavadas separadamente: uma em água e sabão, a outra em tinta de caneta.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

O fim está próximo

Mais uma vez eu não fiz quase nada que tinha jurado fazer nas férias.

Não achei um novo curso de yoga.
Não me inscrevi na Villa-Lobos.
Não fiz ficha naquela locadora superbacana da Conde de Bonfim.
Não estudei italiano.

E agora resta pouco tempo para cumprir a lista acima (exceto a parte do Villa-Lobos, que já era há muito tempo). Isso porque Fevereiro bate à minha porta, de mala, cuia e apostilas, para acabar com esse negócio de dormir às 3 e acordar meio-dia. E o "bater na porta" de Fevereiro é o famoso "Dia de Comprar Material Escolar".
Ah, esse dia! Quando mamães - papais não teriam tanta paciência - e filhinhos saem juntos, numa longa e incansável jornada à procura do caderno perfeito, da borracha mais eficiente, da caneta mais macia...
Curiosamente, a busca complica com o passar dos anos. Só o que se encontra são fichários cheios de purpurina, frufus e desenhos excessivamente meigos; cadernos da Hello Kitty - maldita seja - com folhas cor-de-rosa. Oh, Deus! Onde estão os fichários lisos e resistentes? E os cadernos de 200 folhas com capa monocromática?
Quando se tem 16 anos de idade essas procuras infindáveis geram situações ligeiramente patéticas; como ficar de cócoras, revirando pilhas de estojos gays na Kalunga, enquanto crianças correm pra cá e pra lá - eu penso "será que meu cofrinho tá aparecendo?" e puxo a blusa mais para baixo -, apontando pra tudo quanto é lado e dizendo "Compra, mãe! Compra, mãe!".
Após umas 3 ou 4 papelarias, consegui quase tudo de que precisava. Mas nos meus áureos tempos de criança era bem mais fácil. Ok que Novo Hamburgo tinha lojas distantes umas das outras, e por isso eu só podia ir a uma ou outra, mas mesmo assim...
Às vezes me pergunto como cresci tão rápido. Ontem estava no Oswaldo Cruz aprendendo a bordar nas aulas de AVP, hoje estou no Curso Extensivo Miguel Couto, no último ano de escola da minha vida...

O que será do amanhã?
Mistéééério no ar...

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Thaís acha que se tornará uma criatura insupotável aos 40. Isso porque Thaís = encrenca.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Pré-Natal

Marco Aurélio tentava ensandecidamente escrever. No entanto, à sua frente a folha que pendia da datilográfica continuava imaculada. Vez ou outra ele olhava o relógio, e a cada vez que o fazia impressionava-lhe mais e mais a velocidade com que os ponteiros haviam se mexido. Tensão tamanha já lhe custava uma enxaqueca, além de uma provável crise asmática devido aos montes de cigarro consumidos (Marco Aurélio tinha pulmões frágeis).
Assim como as mães que dão à luz, o escritor também sente as dores do parto. E o bom escritor não resiste a elas: sofre, masoquista, até o último parágrafo. Marco Aurélio não era um bom escritor, nem se iludia com tal idéia; mas escrevia e gostava de escrever. Achava que o parto de um texto, mesmo o de um texto ruim, era catártico. E assim seguia sua vida, eterna e infinitamente prenhe.
Para aliviar o padecimento das grávidas há anestesia. Mas procaína, xilocaína e derivados não amortecem a dor do parto literário. A anestesia de Marco Aurélio era, portanto, a inspiração; e esta andava em falta na sua Maternidade Encefálica.
Assim como fazem as gestantes ao parir, Marco Aurélio gritava no auge de sua dor . Gritava e derrubava os livros da estante. Gritava e quebrava o abajur. Cansado, respirou fundo e esmurrou a mesa (adendo: pela terceira lei de Newton, a mesa também esmurrou Marco Aurélio. E a citada mesa era muito justa, gostava de cumprir a lei. Por isso - ou por falta de preparo físico - Marco Aurélio deslocou o mindinho).
Há algumas distinções entre o parto de gente e o parto artístico. A principal delas é que a Arte não sai por força física. Ela não pode simplesmente ser "expulsa" de você; é preciso concebê-la. A Arte sai de nós como Atena de Zeus: pela cabeça. Então de nada adiantam livros derrubados, abajures quebrados, mesas esmurradas... De nada adiantam enxaqueca e mindinho e câncer. Ela só sairá quando achar que deve.
Marco Aurélio percebeu isto e se redimiu com o Embrião. Digitou a data na folha em branco (24 de Dezembro de 2007), pôs um cigarro (o último do maço; Hollywood) no canto da boca e revirou a mesa - ou o caos que nela havia se instaurado - à procura de um isqueiro. Mas não o encontrou. Levantou puto (falta língua culta para expressar a vastidão de sua fúria) e abriu todas as gavetas da escrivaninha com um só pontapé (do pé esquerdo, porque era canhoto). Papéis, apenas. Dirigiu-se ao guarda-roupa, escancarou-lhe as portas; e nada. Debaixo da cama, sob o lençol...
Encontrou o fugitivo no banheiro, ao lado da saboneteira, no box. Pensou: "Há exatos 15 isqueiros espalhados pela casa. Por que os encontro sempre nos lugares mais inconcebíveis?".
Deu uma risadinha marota - como quem diz "é a vida" - e subitamente teve uma idéia brilhante para a sua história; uma idéia que ia revolucionar a literatura; que superaria todos os best-sellers já escritos em número de vendas; que seria amada por todos, desde os fãs de Harry Potter até os acadêmicos da ABL. Acendeu o cigarro cheio de emoção e explodiu a casa antes da primeira tragada.
O gás estava ligado.
E assim o filho de Marco Aurélio veio ao mundo natimorto.