quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Bifurcação (Anabela)

Encarei seus olhos, hesitei um instante e falei, meio irônica, meio compreensiva:
- Uma oportunidade única, eu imagino.
- Aham. - ele sempre foi muito objetivo.
Não soube o que dizer. Olhei para os meus pés, sentindo algumas mechas de cabelo escaparem do coque preso por um lápis. Estava sentada na beira da cama, as pernas juntas formando um V invertido, as mãos sobre os joelhos. Descalça, meu dedão esquerdo doía por causa daquela maldita sandália que me faz bolhas.
Pensei em diversos assuntos numa fração de segundo: em como eu detestava a autonomia de suas (nossas?) decisões; no seu semblante tristonho quando me olhava daquela forma inquiridora, como se pudesse ler meus pensamentos, mas optasse por não o fazer em respeito a mim - e em como isso ainda derretia meu coração. Desejei que falássemos alguma coisa, qualquer coisa... Sobre o tempo, que fosse! Mas eu mesma não conseguia pronunciar uma palavra sequer; nem um “por favor, fique”. Sentia-me egoísta e infantil, mas queria demonstrar maturidade.
Continuei fixando os meus pés, como uma criança de castigo, por cinco, dez minutos... em silêncio e dúvida.
Finalmente ele se mexeu. Esteve de pé desde o início, mas agora se aproximava lentamente. Agachou à minha frente e apoiou os braços sobre a minha perna. Depois deitou a cabeça sobre os braços, mexendo a ponta dos dedos num carinho tímido. Também o acariciei, afagando seus cabelos negros ondulados, e assim ficamos por alguns minutos – “Deus queira que pra sempre”, pensei. “Congele este instante”. Em algum momento ele se moveu novamente, e desta vez olhou em meus olhos, sorrindo com o canto da boca; então eu percebi que ele também parecia uma criança de castigo, pedindo desculpas por travessuras impensadas. Com meu cafuné, eu o desculpava.

O timer do fogão apitou, anunciando o jantar. Ele disse num sussurro:
- ‘Tô com fome. Vamos?
Concordei com a cabeça; levantei afastando seus braços - expulsando seus braços! – num gesto de falsa indiferença.
Servi seu prato preferido – spaghetti à bolognesa – e ele pôs um CD do Bowie para tocar. À mesa, sorria para mim entre uma garfada e outra.
Naquela noite jantamos juntos pela última vez. Naquela noite fizemos amor loucamente - e pela última vez.

É curioso como a ausência dói mais quando não há uma data de reencontro pré-determinada. Só o que restou de lembrança quando ele partiu foram pratos sujos de molho à bolognesa, que eu poderia ter lavado com lágrimas, tamanha a minha dor, mas assimilei choro a fraqueza e não chorei.
A louça e a saudade precisavam ser lavadas separadamente: uma em água e sabão, a outra em tinta de caneta.

4 comentários:

F.S.C disse...

"Naquela noite fizemos amor loucamente - e pela última vez."
wild!

adorei o texto,
thais, vc realmente cria contos mto bons

Anônimo disse...

Nossa, faço minhas as palavras do Fabrício. Ficou realmente lindo. Adorei, parabéns.

Beijos.

Lívia.

Anônimo disse...

todos os comentários que eu poderia ter feito, fiz no MSN.

você tem um futuro promissor :)

btw, mudei de blog:

http://sakitama.livejournal.com

Anônimo disse...

(igor acima)