Perdeu num jogo a razão de existir, e em pouco tempo não dormia mais. Sua alimentação restringiu-se a algumas frutas. Seus gestos, embora parecessem idênticos, eram agora dissimulados. Foi perdendo a força para rir, para falar. Dizia meias verdades. E, por serem meias, ninguém sabia distinguir o real do inventado.
A crise começou em meados de Outubro. Como uma flor nascida no asfalto, nasceu dentro dele uma vontade de ser melhor. Mas a chuva não vinha, e a flor murchava. Quando murcha, veio o vento, despetalando-a em malmequer. E as pétalas voaram longe, qual dente de leão, 'prá nunca mais voltar.
Com o caule seco pendendo inútil sobre o cimento, viu que aos poucos a grama brotava ao seu redor, sobrepondo-se ao cinza fosco da calçada. Reanimado, encheu-se de esperanças e tornou-se cerejeira, matizando a paisagem. Agrupou gramíneas aos seus pés, e as ervas daninhas tornaram-se gérberas; e as gérberas, plátanos; em breve constituindo Mata. Sentindo-se sufocar por uma ou duas orquídeas, arrancou-as; e percebeu que perdera as folhas, os ramos, os frutos... era cacto no sertão - e no sertão não chove.
Num dia como qualquer outro, no entanto, veio o Homem. Um homem de barba branca, queimado de sol. Um homem de dentes amarelados e raros. Um homem acostumado à vida maçante.
Cortou o talo do homem-planta (eutanásia), bebendo o elixir que nele havia. E o Homem tornou-se jovem, gênio, gente. O Homem tornou-se tudo que o cacto não podia mais ser.
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2 comentários:
Uhn...anh...complicado...as uma da manhã entender tudo isso xD, mas poso ter teorias=P...depois posta a tradução pra ver se acertei algo xP...Bjos fia..té afesta
Adorei a expressão "matizando a paisagem". E eu adooooro gérberas.
Beijos.
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