sábado, 28 de abril de 2007

Samba de uma nota só

Daria tudo por uma roda de samba agora, nesse momento em que escrevo. Não quero o calor nem os empurrões do Empório, quero ar e MPB. Bossa Nova, Tropicália, Chico Buarque. Quero um pé-de-valsa, um pé-de-tango, um pé-de-salsa, um par de mambo...qualquer coisa que me deixe longe do redemoinho de pensamentos que vem sorrateiramente me dominando. Eu quero a boemia! O violão dedilhado ao luar, as frases soltas, a filosofia de calçada, a tapioca por 1 real. Pior é que mereço, juro do fundo do coração que mereço! Tô de saco cheio de estudar, de ouvir falar em vestibular e não saber o que fazer da vida, de enfiar conhecimento indesejável mente adentro.
Não que seja ruim pensar demais, não é. Mas é incômodo pensar tudo de uma vez só, e minha cabeça, nesse instante, assemelha-se a um liqüidificador. Estou pensando compulsivamente, estou com o passo-à-passo na cabeça. É pau, é pedra, é o fim do caminho! Estou pensando inclusive com músicas de fundo. Isso mesmo, no plural, cada uma lutando pra prevalecer sobre as demais. E o repertório é bem variado: tem uma de dançar juntinho, uma mais malandrinha e outra que faz lágrima brotar dos olhos.
Com um verso de cada, vira tudo a mesma bossa. Que canta assim, como se houvesse uma viola fazendo acordes pausados, quase numa nota só.

"Um chapeuzinho de maiô
Sabe tudo sem você
Mas eu não sabia que você sabia
Que a vida é tão boa
É, você que é feito de azul
Vamos deixar desse negócio
De você viver sem mim
Mas se apesar de banal
Chorar for inevitável
Sinta o gosto do sal
Olha que coisa mais linda!
Está chovendo na roseira
Me abraça que tudo vai passar
Aqui nesse terraço à beira-mar
Serei feliz
Serei feliz de flor
E não sofrer mais, nunca mais
Pois a própria dor
Revelou o caminho do amor
Quero a vida sempre assim
A cada milágrimas
Roda mundo"

Hoje a vida é um musical, hoje o dia tá uma bossa.

domingo, 22 de abril de 2007

Fábula do amor e do tempo

Assim como acontece conosco, os astros se apaixonaram. Mas quis o destino que eles vivessem separados: Sol trabalhava de dia e Lua trabalhava de noite.
Por vezes a Lua ficava tão cheia de saudades de seu amado que passava o dia seguinte em claro, esperando por ele. O Sol, no entanto, não podia fazer o mesmo, porque tinha oito irmãos para cuidar. Julgando-o egoísta, a Lua enciumada sumia dos céus sem dar notícias, reaparecendo dias mais tarde com um sorriso envergonhado.
Enquanto o namorado ficava vermelho de raiva daquela situação imutável, a namorada recolhia-se entre as estrelas e chorava lágrimas de prata. Ao saber de seu choro, o Sol empalidecia de tristeza e cobria-se com as nuvens para esconder que chorava também. Por causa dessa época fria e melancólica, o espaço tornou-se um imenso vácuo - inclusive formaram-se vazios de solidão que ficaram conhecidos como "Buracos Negros". O Sol inflamou de infelicidade e o coração da Lua foi tomado de crateras obscuras.
Um dia, houve uma discussão entre a Lua e o velho Universo, seu pai, na qual a moça gritou aos prantos "De agora em diante, renuncio ao meu brilho. Só hei de aparecer na companhia de meu amado!"
As estrelas apiedaram-se dela, e foram implorar, apavoradas, ao grande deus que tudo dá e tudo tira. "Oh poderoso Tempo! Não deixeis os apaixonados definhando de saudade! Evite esta desgraça! Permita que, com a união d'eles dois, nasça um pouco de vida no coração do Universo!"
O Tempo repondeu, com toda a bondade e sabedoria que tinha (e ainda tem): "Não permitirei desgraça alguma, minhas amigas. Conceder-lhes-ei a graça que me pedem. De agora em diante, Sol e Lua poderão encontrar-se, nos chamados 'Eclipses'. No entanto, ouçam bem: só hão de se encontrar quando eu permitir".
"Mas...mas...se não estiverem sempre juntos, eles vão sofrer! Tu não sabes o que é amar!", protestaram as estrelinhas.
"Como não, se fui eu que inventei o amor? Ouçam tudo, e não me interrompam novamente: no intervalo entre os encontros Lua e Sol não sofrerão!" e o Tempo prometeu curar as saudades, angústias e tristezas dos apaixonados. Disse que, renunciando ao brilho próprio, a Lua provara ser dependente do Sol, e mostrou às estrelas que uma vida de dependência (mesmo mútua) jamais poderia ser plenamente feliz. As estrelas correram para contar tudo aos apaixonados, riscando o céu ao passarem.

Assim, o amor doentio entre Sol e Lua tornou-se equilibrado e sagrado, e da harmonia entre os dois nasceu a vida, como um dia profetizou o Tempo. Até hoje, se você olhar para o céu em um dia de Eclipse, poderá ver Sol e Lua se beijando: um cheio de saudades, o outro ardendo de paixão.

domingo, 15 de abril de 2007

Sobre as sem-razões do macaco.

A casa estava quente e melancólica demais. Senti um aperto no peito, uma angústia, um desespero claustrofóbico por espaço e oxigênio. Aspirei, por um instante demasiado longo, à solidão. Discretamente, como se sentisse vergonha da minha própria covardia, escapei para a varanda de azulejos azuis. Estirei-me sobre o sofá, respirei lenta e profundamente de olhos fechados, aspirei a solidão. Bem melhor.
Um canto de passarinho penetrou meus ouvidos. D'onde vem? Abri meus olhos preguiçosos e olhei em volta. Tudo era só cimento, azulejo e metal - humano demais, frio demais, triste demais -, no entanto havia, ainda assim, um canto de passarinho, como uma trilha sonora de minha angústia. O nó na garganta se afrouxou, a pressão no coração diminuiu. Compaixão: uma, duas, três gaiolas penduradas ao pé do tanque. Um, dois, três canários pulando feito macacos (humanos!) de poleiro em poleiro. Compreensão. Compaixão.
Pobres...amputaram-lhe as asas sem aleijá-los, impediram-nos de voar. Angústia. "Eles alegram o homem", foi a justificativa. Aproximei-me da gaiola, fiquei com o nariz colado na grade, os olhos marejados. Cada canário levava uma pulseira de chumbo no pé (Piu, piu!). Observei a gaiola: uma porção de alpiste, um tiquinho de água e as finas barras de metal (humano!) que delimitavam a senzala. Um, dois, três escravos da melancolia humana. Oh, pobres!
Encarei-os por tempo o suficiente para reavivar a angústia, agora com força redobrada. Não tinha mais jeito, não dava mais para ficar nem na varanda, nem ouvindo as sentenças sem sentido que faziam no interior da casa. Sem poder dizer uma palavra sequer ("Eles alegram o homem"), com a compaixão pelo homem e pelos pássaros lutando dentro de mim, minha atitude foi covarde. Virei as costas para a sala de estar e virei as costas para a senzala; deitei, fechei os olhos e forcei um sonho bom.

sexta-feira, 6 de abril de 2007

Conversas de Elevador

(07:00 - manhã - indo para o colégio)
-Bom Dia
-*bocejo* bom dia
-Sono, não?
-Ô!
-Ânimo, jovem! Vestibular?
-Só porque estou sendo obrigada.
-Haha, entendo. Um bom dia pra você.

(13:00 - tarde - voltando da aula)
-Ôpa!
-Boa tarde.
-Filha da dona do 701, né?
-É.
-Calor, não?
-Pô, na rua então, insuportável. Acha que chove?
-Acho que não. Talvez mês que vem.
-Não fale um troço desses, não agüento mais.
-Nem eu...er...meu andar; dê um beijo na sua mãe, sim?
-Pode deixar.

(tarde - indo pro curso)
-Thaís!
-Oi, tudo bem?
-Tudo. Vem cá, desistiu da veterinária?
-Uhn...é...mais ou menos. Tá entre psicologia, comunicação e qualquer coisa ligada a artes.
-Você gosta dessas coisas de arte, né? Sua mãe falou...mas a proposta de chamar minha amiga bióloga ainda está de pé!
-Ah, ok! Qualquer dia a gente marca.
-Marca sim. Manda um beijo pra sua mãe.
-Outro pra sua.

(noite - pós-yoga)
-Quer ajuda com as sacolas?
-Não precisa não, viu, filha? Mas obrigada, você é muito educadinha.
-Que nada. Qual é o seu andar? Eu aperto pra você.
-Ah, obrigada, é o 5, sim? Diz à sua mãe que ela educou vocês muito bem, você é muito educadinha. A gente vai envelhecendo e vai perdendo a vista, aí já viu.
-Compreendo. Tem certeza que não quer ajuda? Eu carrego pra senhora.
-Não precisa, não, meu bem. Obrigada. Muito educadinha, muito educadinha.

É isso aí, minha gente. Superamos os assuntos meteorológicos!