sábado, 26 de abril de 2008

Energia limpa

Outro dia chamaram de mito: tudo suja, tudo polui, tudo degrada.
Mas pra quê aquecer os miolos e a atmosfera do planeta?
Pra quê decorar 1973 com todos os seus pormenores?

A resposta não é petróleo, urânio, nem biocombustível.
Lamento informá-lo, Sr. Burns: é o amor* que move o mundo.
E eu duvido que consiga extraí-lo ou refiná-lo.

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*Nem sempre é uma forma menos egoísta e mais limpa de se mover o mundo. Mas sonhemos alto, né...

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Antropofagia

Perdeu num jogo a razão de existir, e em pouco tempo não dormia mais. Sua alimentação restringiu-se a algumas frutas. Seus gestos, embora parecessem idênticos, eram agora dissimulados. Foi perdendo a força para rir, para falar. Dizia meias verdades. E, por serem meias, ninguém sabia distinguir o real do inventado.

A crise começou em meados de Outubro. Como uma flor nascida no asfalto, nasceu dentro dele uma vontade de ser melhor. Mas a chuva não vinha, e a flor murchava. Quando murcha, veio o vento, despetalando-a em malmequer. E as pétalas voaram longe, qual dente de leão, 'prá nunca mais voltar.

Com o caule seco pendendo inútil sobre o cimento, viu que aos poucos a grama brotava ao seu redor, sobrepondo-se ao cinza fosco da calçada. Reanimado, encheu-se de esperanças e tornou-se cerejeira, matizando a paisagem. Agrupou gramíneas aos seus pés, e as ervas daninhas tornaram-se gérberas; e as gérberas, plátanos; em breve constituindo Mata. Sentindo-se sufocar por uma ou duas orquídeas, arrancou-as; e percebeu que perdera as folhas, os ramos, os frutos... era cacto no sertão - e no sertão não chove.

Num dia como qualquer outro, no entanto, veio o Homem. Um homem de barba branca, queimado de sol. Um homem de dentes amarelados e raros. Um homem acostumado à vida maçante.
Cortou o talo do homem-planta (eutanásia), bebendo o elixir que nele havia. E o Homem tornou-se jovem, gênio, gente. O Homem tornou-se tudo que o cacto não podia mais ser.

terça-feira, 15 de abril de 2008

Matemática das horas

Não devia escrever agora!
Não devia!
Apenas vinte e quatro horas
compõem o meu dia.

Quiçá com trinta e seis finalmente eu dormisse oito;
Capturando em sonhos as idéias ao léu
para proporcionar à escrita o seu esquisito coito:
Caneta sobre papel.

Quiçá com setenta e duas eu matutasse quatro,
afastando (quiçá, quiçá) o egocentrismo crasso
que corrói qualquer súbita visão idônea
com o fatigante ser-ou-não-ser da insônia.

O fato é que meu dia tem apenas vinte e quatro horas,
e três vezes oito não me bastam;
Fossem um pouquinho maiores, meu Deus,
saciar-me-iam.

Dê-me!
Dê-me?

Mas que direito tenho
de pedir outro bocado de Tempo,
se o (pouco) Tempo que Tu me dás
é tão encantadoramente escasso?

No fim da conta, minha semana torna-se longa:
Um dia de Ascensão,
cinco horas de Apogeu,
e sete dias de Queda.

(Ouço Tua resposta, num sussurro do Vento: "Paciência, minha filha. Paciência.")
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Thaís de Carvalho promete a si mesma que, a partir de hoje, não se negará o direito à leitura e à escrita.