Foi com uma espécie de asco que descobriu que aquilo existia. Crianças que mais pareciam um esqueleto, só que negrinhas, cabeçudas. Os dentes branquíssimos e os beiços gordos, os olhos amarelos e cansados.
- Mãe, que é isso?
- São as crianças na África.
O choque era tanto que não conseguiu perguntar como elas carregavam a mochila da escola com aqueles braços fininhos.
Aos poucos virou uma obsessão vasculhar a revista em busca daquela imagem. Não, não podia estar lá ainda. Não podia ser verdade. E quando a encontrava, mudava logo de página, como quem vê uma obscenidade e tem medo de ser pego no flagra.
E a pergunta... As perguntas todas que desejava fazer lhe apavoravam. Achava a curiosidade sádica.
"Eu sou má".
Desejou poder ler aquelas letras todas.
Iludiu-se com a possibilidade de ser só um anúncio de um filme de horror.
Na Segunda a faxineira (negrinha, cabeçuda) dirigiu-se à sala de estar. Esbarrou na criança, que apavorou-se ao reconhecer na moça as características da foto.
- Você veio da África?
E a expressão confusa da mulher, a boca aberta, os olhos cansados, não deixaram dúvidas. Mesmo a moça negando, já não tinha jeito. A menina entendeu, na sua cabecinha imaginativa, que a negrinha era uma sobrevivente. Uma heroína. Com lágrimas nos olhos, abraçou a moça.
Um abraço úmido venceu a História.
domingo, 11 de janeiro de 2009
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