Prepare-se para o relato de um dia repleto de verdades irrefutáveis:
No auge da forma, no ápice da árvore, sabe-se lá como passarinho cai no chão. Quem já viu rolinha morta bem sabe: a ave que parece folha caída; os olhinhos fechados, o bico semi-aberto num último suspiro.
Até esse dia eu não sabia que formiga comia passarinho - o mundo dá mesmo muitas voltas! É como um frango comer humano assado, ou uma vaca beber do nosso leite, deixando o nenê desmamado preso pra virar vitela. Até esse dia eu tinha nojo de bicho morto.
(Tentei não retornar a isto, mas é inevitável: o pombo morre feio. Outro dia atravessava a rua quando um carro veio e BUM!, pena pra tudo quanto é lado. Vê-se pombo torto, amassado no asfalto, vísceras em decomposição. Já a rolinha parece um anjinho caído do céu, com as asinhas escancaradas numa última tentativa de voar. Se morto falasse, a rolinha suspiraria "ai de mim!". Se morto falasse, o pombo gritaria esganiçado.)
Até esse dia eu tinha nojo de bicho morto, mas a rolinha estava tão bonita que eu fiquei olhando. Não dava tristeza ver aquilo, dava uma espécie de extrema compreensão. Não que eu tenha tendências suicidas - até porque a rolinha não me parecia suicida-, é apenas uma questão de inevitabilidade e aceitação (o que em muito difere de resignação). Cair da árvore, para a rolinha, era inevitável. Encontrá-la à mercê das formigas, para mim, era inevitável.
"Que capricho do destino é ser comido pela própria comida!", pensei enquanto via a sombra negra dos insetos se amontoando sobre o defuntinho. É quase canibalismo. A formiga come a rolinha e a rolinha come a formiga - então a rolinha, de certo modo, come a rolinha!
Aí a gente tenta pintar o quadro com lápis aquarela, e acha que a rolinha vira parte da rolinha. Tão mais bonito que ser simplesmente decomposta! A rolinha, como a fênix, não morre: transcende. Assim como as inevitabilidades transcendem a lógica.
No dia seguinte não havia nem o bico ao pé da árvore pra provar que o meu conto não é só uma metáfora.
Façamos 1 minuto de silêncio pela rolinha que jaz empilhada na despensa do formigueiro.
(...)
quinta-feira, 23 de outubro de 2008
segunda-feira, 6 de outubro de 2008
quinta-feira, 2 de outubro de 2008
Oração ao meu deus
Tempo nosso, que está em toda parte
O porvir é consigo
Bendito é quem o controla entre os mortais
E bendito é o fruto da sua passagem - esquecer
Seja sempre feita a sua vontade
desde que ela garanta o pão nosso de cada dia
Não nos deixe cair em tentação
Adiante-se quando estivermos fatigados
e detenha-se quando estivermos contentes
Agora e na hora de nossa morte
Amém
O porvir é consigo
Bendito é quem o controla entre os mortais
E bendito é o fruto da sua passagem - esquecer
Seja sempre feita a sua vontade
desde que ela garanta o pão nosso de cada dia
Não nos deixe cair em tentação
Adiante-se quando estivermos fatigados
e detenha-se quando estivermos contentes
Agora e na hora de nossa morte
Amém
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