Embrulhada nas cortinas, de pé sobre o carpete verde-musgo, Victoria bebia dry martini.
Ao pôr-do-sol o amante se fora, deixando um chupão em sua nuca, a colcha da cama em desalinho e o dinheiro para pagar a conta do hotel - altíssima, diga-se de passagem - sobre a mesinha de centro. Ela demorou mais de uma hora para levantar, com uma dor de cabeça infernal, e perceber que ele tinha partido. Contraiu o lábio inferior em sinal de protesto, roeu a unha vermelho-escarlate do polegar esquerdo e caiu pesadamente sobre o travesseiro. Demorou mais uma meia hora para enfrentar a situação, levantar e fazer o drink.
Agora estava à janela: resignada, semi-nua, apreciando o frio que fazia os seus dentes rangerem. Por um momento observou a vidraça, procurando defeitos sem saber por quê. Tamborilou com os dedos finos o vidro, emitindo um som semelhante ao trote de cavalos. Bebeu de um só gole o restante do martini, enchendo ambas as bochechas. A cabeça, ainda reagindo aos excessos da noite anterior, pareceu girar. Caminhou meio cambaleante até a poltrona rústica no canto do quarto, apoiou a taça no chão e a cabeça nos joelhos.
O ar-condicionado produzia um ruído rouco incômodo quando Victoria pegou o telefone e ligou para a recepção, perguntando se Ricardo Lugano havia deixado alguma mensagem. "Disse pra esperar, que ele volta antes das onze". Voltava mesmo, disso ela não tinha dúvida.
Era só inventar desculpas descaradas e mirabolantes para a esposa que a consciência dele ficava leve como brisa. Contraindo o lábio inferior num ricto, Victoria roeu a unha do indicador direito. Cansada, tonta, ansiosa; deitou sobre o chão mesmo, encolhida. O carpete cheirava a lavanda - Victoria cheirava a álcool e jasmin, como um perfume mal destilado - e contrastava com os cabelos muito louros e a pele muito alva da moça que, ainda retraída, umedeceu os lábios pensando: "E se eu fosse embora?"
Imaginou um Ricardo intimamente vexado. Não sorriu ao fazê-lo, gostava muito do médico. Mas pondereu que - "eu mesma bem sei" - conseguia coisa melhor. Ao menos alguém que não hesitasse tanto, alguém menos irresoluto. Menos lascívia e mais romance.
Imaginou-se sozinha, nas suas antigas noites insólitas de sábado, e duvidou que continuassem insólitas. Além do mais, teria de se reacostumar à vida de outrora. Sem dias inteiros ao pé do telefone, sem promessas de amor eterno; sem drinks caros e suítes presidenciais. Rien de rien. Ela, e somente ela, num apartamento modesto, sem o auxílio financeiro do seu "Romeu às avessas" - e disse isso a si mesma com risível ironia.
Talvez adotasse um gato. Talvez pedisse China In Box depois do trabalho. Talvez fizesse sessões de Sex and the City às sextas-feiras.
Alguns segundos de quietude foram suficientes para que se decidisse. Saiu do torpor, ainda tonta, em meias e calcinha, e vestiu-se. Ligou para a recepção e mandou chamar um táxi. "Não, não. É melhor eu ir caminhando..."
E saiu, incrivelmente tranqüila, em direção à padaria mais próxima e ao seu recém conquistado futuro.
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Um comentário:
Ele não deixou só a colcha em desalinho, deixou o coração dela tb, parafraseando Monarco.
Lindo post. Amei. Seriamente.
Beijos.
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