quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Porque passarinho morre tão bonito

Prepare-se para o relato de um dia repleto de verdades irrefutáveis:

No auge da forma, no ápice da árvore, sabe-se lá como passarinho cai no chão. Quem já viu rolinha morta bem sabe: a ave que parece folha caída; os olhinhos fechados, o bico semi-aberto num último suspiro.
Até esse dia eu não sabia que formiga comia passarinho - o mundo dá mesmo muitas voltas! É como um frango comer humano assado, ou uma vaca beber do nosso leite, deixando o nenê desmamado preso pra virar vitela. Até esse dia eu tinha nojo de bicho morto.

(Tentei não retornar a isto, mas é inevitável: o pombo morre feio. Outro dia atravessava a rua quando um carro veio e BUM!, pena pra tudo quanto é lado. Vê-se pombo torto, amassado no asfalto, vísceras em decomposição. Já a rolinha parece um anjinho caído do céu, com as asinhas escancaradas numa última tentativa de voar. Se morto falasse, a rolinha suspiraria "ai de mim!". Se morto falasse, o pombo gritaria esganiçado.)

Até esse dia eu tinha nojo de bicho morto, mas a rolinha estava tão bonita que eu fiquei olhando. Não dava tristeza ver aquilo, dava uma espécie de extrema compreensão. Não que eu tenha tendências suicidas - até porque a rolinha não me parecia suicida-, é apenas uma questão de inevitabilidade e aceitação (o que em muito difere de resignação). Cair da árvore, para a rolinha, era inevitável. Encontrá-la à mercê das formigas, para mim, era inevitável.
"Que capricho do destino é ser comido pela própria comida!", pensei enquanto via a sombra negra dos insetos se amontoando sobre o defuntinho. É quase canibalismo. A formiga come a rolinha e a rolinha come a formiga - então a rolinha, de certo modo, come a rolinha!
Aí a gente tenta pintar o quadro com lápis aquarela, e acha que a rolinha vira parte da rolinha. Tão mais bonito que ser simplesmente decomposta! A rolinha, como a fênix, não morre: transcende. Assim como as inevitabilidades transcendem a lógica.
No dia seguinte não havia nem o bico ao pé da árvore pra provar que o meu conto não é só uma metáfora.



Façamos 1 minuto de silêncio pela rolinha que jaz empilhada na despensa do formigueiro.
(...)

3 comentários:

Da Silva disse...

Na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. Dá-lhe Lavoisier!

A vida é assim, um dia é da caça, o outro é do caçador.

PS:Pra efeito de cultura inútil, saiba que a carne dos animais guardada no formigueiro (pelo menos em algumas espécies de formiga)é cortada em pedaços iguaizinhos a postas. Algumas espécies de formiga ainda salgam a carne! (vi no Discovery).

Thaís disse...

pra efeito de cultura inútil [2]:
formigas comem gente também! formigas são quase urubus, e comem tudo que morre.
salvem as formigas! elas podem ser um conhecido seu. quiçá até Getúlio Vargas, Jim Morrison, sei lá.
viva a cadeia alimentar!

CoffeeBreak disse...

meu irmão tem o apelido de Formigão. seria eu uma também? o0'



/medo