Marco Aurélio tentava ensandecidamente escrever. No entanto, à sua frente a folha que pendia da datilográfica continuava imaculada. Vez ou outra ele olhava o relógio, e a cada vez que o fazia impressionava-lhe mais e mais a velocidade com que os ponteiros haviam se mexido. Tensão tamanha já lhe custava uma enxaqueca, além de uma provável crise asmática devido aos montes de cigarro consumidos (Marco Aurélio tinha pulmões frágeis).
Assim como as mães que dão à luz, o escritor também sente as dores do parto. E o bom escritor não resiste a elas: sofre, masoquista, até o último parágrafo. Marco Aurélio não era um bom escritor, nem se iludia com tal idéia; mas escrevia e gostava de escrever. Achava que o parto de um texto, mesmo o de um texto ruim, era catártico. E assim seguia sua vida, eterna e infinitamente prenhe.
Para aliviar o padecimento das grávidas há anestesia. Mas procaína, xilocaína e derivados não amortecem a dor do parto literário. A anestesia de Marco Aurélio era, portanto, a inspiração; e esta andava em falta na sua Maternidade Encefálica.
Assim como fazem as gestantes ao parir, Marco Aurélio gritava no auge de sua dor . Gritava e derrubava os livros da estante. Gritava e quebrava o abajur. Cansado, respirou fundo e esmurrou a mesa (adendo: pela terceira lei de Newton, a mesa também esmurrou Marco Aurélio. E a citada mesa era muito justa, gostava de cumprir a lei. Por isso - ou por falta de preparo físico - Marco Aurélio deslocou o mindinho).
Há algumas distinções entre o parto de gente e o parto artístico. A principal delas é que a Arte não sai por força física. Ela não pode simplesmente ser "expulsa" de você; é preciso concebê-la. A Arte sai de nós como Atena de Zeus: pela cabeça. Então de nada adiantam livros derrubados, abajures quebrados, mesas esmurradas... De nada adiantam enxaqueca e mindinho e câncer. Ela só sairá quando achar que deve.
Marco Aurélio percebeu isto e se redimiu com o Embrião. Digitou a data na folha em branco (24 de Dezembro de 2007), pôs um cigarro (o último do maço; Hollywood) no canto da boca e revirou a mesa - ou o caos que nela havia se instaurado - à procura de um isqueiro. Mas não o encontrou. Levantou puto (falta língua culta para expressar a vastidão de sua fúria) e abriu todas as gavetas da escrivaninha com um só pontapé (do pé esquerdo, porque era canhoto). Papéis, apenas. Dirigiu-se ao guarda-roupa, escancarou-lhe as portas; e nada. Debaixo da cama, sob o lençol...
Encontrou o fugitivo no banheiro, ao lado da saboneteira, no box. Pensou: "Há exatos 15 isqueiros espalhados pela casa. Por que os encontro sempre nos lugares mais inconcebíveis?".
Deu uma risadinha marota - como quem diz "é a vida" - e subitamente teve uma idéia brilhante para a sua história; uma idéia que ia revolucionar a literatura; que superaria todos os best-sellers já escritos em número de vendas; que seria amada por todos, desde os fãs de Harry Potter até os acadêmicos da ABL. Acendeu o cigarro cheio de emoção e explodiu a casa antes da primeira tragada.
O gás estava ligado.
E assim o filho de Marco Aurélio veio ao mundo natimorto.
Assim como as mães que dão à luz, o escritor também sente as dores do parto. E o bom escritor não resiste a elas: sofre, masoquista, até o último parágrafo. Marco Aurélio não era um bom escritor, nem se iludia com tal idéia; mas escrevia e gostava de escrever. Achava que o parto de um texto, mesmo o de um texto ruim, era catártico. E assim seguia sua vida, eterna e infinitamente prenhe.
Para aliviar o padecimento das grávidas há anestesia. Mas procaína, xilocaína e derivados não amortecem a dor do parto literário. A anestesia de Marco Aurélio era, portanto, a inspiração; e esta andava em falta na sua Maternidade Encefálica.
Assim como fazem as gestantes ao parir, Marco Aurélio gritava no auge de sua dor . Gritava e derrubava os livros da estante. Gritava e quebrava o abajur. Cansado, respirou fundo e esmurrou a mesa (adendo: pela terceira lei de Newton, a mesa também esmurrou Marco Aurélio. E a citada mesa era muito justa, gostava de cumprir a lei. Por isso - ou por falta de preparo físico - Marco Aurélio deslocou o mindinho).
Há algumas distinções entre o parto de gente e o parto artístico. A principal delas é que a Arte não sai por força física. Ela não pode simplesmente ser "expulsa" de você; é preciso concebê-la. A Arte sai de nós como Atena de Zeus: pela cabeça. Então de nada adiantam livros derrubados, abajures quebrados, mesas esmurradas... De nada adiantam enxaqueca e mindinho e câncer. Ela só sairá quando achar que deve.
Marco Aurélio percebeu isto e se redimiu com o Embrião. Digitou a data na folha em branco (24 de Dezembro de 2007), pôs um cigarro (o último do maço; Hollywood) no canto da boca e revirou a mesa - ou o caos que nela havia se instaurado - à procura de um isqueiro. Mas não o encontrou. Levantou puto (falta língua culta para expressar a vastidão de sua fúria) e abriu todas as gavetas da escrivaninha com um só pontapé (do pé esquerdo, porque era canhoto). Papéis, apenas. Dirigiu-se ao guarda-roupa, escancarou-lhe as portas; e nada. Debaixo da cama, sob o lençol...
Encontrou o fugitivo no banheiro, ao lado da saboneteira, no box. Pensou: "Há exatos 15 isqueiros espalhados pela casa. Por que os encontro sempre nos lugares mais inconcebíveis?".
Deu uma risadinha marota - como quem diz "é a vida" - e subitamente teve uma idéia brilhante para a sua história; uma idéia que ia revolucionar a literatura; que superaria todos os best-sellers já escritos em número de vendas; que seria amada por todos, desde os fãs de Harry Potter até os acadêmicos da ABL. Acendeu o cigarro cheio de emoção e explodiu a casa antes da primeira tragada.
O gás estava ligado.
E assim o filho de Marco Aurélio veio ao mundo natimorto.
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