terça-feira, 1 de maio de 2007

Livro, leite; leitura.

Vovó sempre dizia: "minina, u homi qui cumeu i garrolê morreu"; mas Mariana pensava ser lorota. Por isso, sempre que chegava o ventinho gelado do inverno, metia-se numa coberta e catava um romance da estante para ler regado à café-com-leite. Não há coisa mais gostosa nesse mundinho de Deus!
Especificamente nesse dia a Cecí fez biscoitos sequilhos para molhar no café, e o dia estava tão gostoso que Mariana se pôs a ler em voz alta que "o rapaz declarou à moça todo o seu amor."
Mas que beleza, todo o seu amor! O amor todo, todinho, só pra sortuda mocinha de laço de fita no cabelo e vestido de cetim. "Diabos, porque é que não se usam mais os vestidos de cetim?". Todo seu amor não é muita coisa!? Tanta coisa que chega a assustar um bocado!
E pra cada frase um gole de café, pra cada parágrafo um biscoito - enfarelou página após página, mas que pecado!
Acabou com ambos antes do fim do capítulo e antes de saber quão grande era 'todo o amor de alguém'. Foi à cozinha - as meias derrapando nos 'azugelos' -, marcando a página em que parara com o dedo médio, e encheu uma xícara de leite frio - porque estava aponquentada demais com a história para esperá-lo esquentar. Sentou-se à mesa da cozinha mesmo, os pés contraídos pela baixa temperatura, e tentou terminar o parágrafo. '...lhe juro,meu amor, amor eterno' e aquele bom e velho blablabla de nascimento de romance. Soou tão clichè que ela se desligou da fala do rapaz pra se concentrar na reação da moça. O quê? Ela aceitou? Ela acreditou? "Ahhh, pois hei de pegar outro livro, um pouco mais realista e com protagonistas menos imbecis. Quem sabe também esquento este leite, porque gelado assim está de matar."
Assim disse e assim fez: pegou qualquer coisa de Carlos Drummond, que à ela soou menos fingido, e esqueceu o leite no fogo - que transbordou, sujando 1/4 do fogão.
[MORAL DA HISTÓRIA: A realidade se torna menos ferina quando acompanhada de um copo de leite quente.]

Um comentário:

Anônimo disse...

eu não vou ler tudo não por pura preguiça,mas aposto que é algo profundo que toca nossas almas

Beijão