domingo, 16 de março de 2008

Interlúdio (nem Anabela, nem Thiago)

Algumas manhãs depois da Bifurcação, Anabela acordou arrasada. Tinha olheiras cinzentas, a face marcada pelo bordado do travesseiro e vontade nenhuma de sair da cama. Ficou deitada de costas, com os olhos semiabertos e o corpo preguiçosamente esticado. Olhava o teto cor de marfim e não pensava em nada; não via nada; não sentia nada. Tendo acordado mais cedo do que de costume, permaneceu hipnotizada até o despertador tocar e arrancá-la de seu transe.
Anabela sentou na beira do colchão e coçou a nuca. Suspirou lenta e profundamente - as mãos comprimidas contra o rosto -, levantou-se e caminhou até o banheiro, ainda descabelada. Ligou o chuveiro. Pôs a mão para dentro do box, tomando coragem. A água estava fria.
Determinada (ou masoquista, ou louca, ou tudo junto), encarou a gelidez do líquido meio encolhida, sentindo-o escorrer por suas costas, encharcar-lhe os cabelos e esfriar-lhe a mente; sentindo cada gota d'água sobre seu corpo, com os dentes rangendo, ensaboando-se num quase abraço. O frio fazia Anabela sentir-se viva. E a vida parecia grande demais naquele momento. Conseqüentemente (conseqüentemente?), ela sorriu.
À noite, depois de um dia excessivamente ordinário (reviu projetos, fez cálculos, construiu maquetes, prendeu o cabelo em um coque enquanto desenhava), sentiu-se exausta. Atirou-se sobre a cama, ainda de sapato bico fino, de bruços. Colou o travesseiro ao rosto e soltou um grito ensurdecedor inaudível. Afogou-se no travesseiro. Prendeu a respiração.


Mas acalme-se, leitor! Anabela não cometeu suicídio! E não o fez por três bons motivos:
1. Ainda sentia a vida como algo grande demais. Conseqüentemente (conseqüentemente?), queria viver.
2. Talvez pela razão anteriormente citada, talvez por instinto de sobrevivência... Anabela jamais conseguiria sufocar a si mesma. Alguns segundos após afogar-se no travesseiro, já respirava ofegante, simultaneamente pelo nariz e pela boca, com o coração batendo desesperado, numa angústia de recém-nascido.
3. Esta que vos fala - ou seja, eu, a autora - está cansada de matar suas personagens. Tanto de matar quando de oferecer-lhes finais infelizes. Assim sendo, sentecio Anabela à vida agradável, felice e preciosa de criatura abençoada pelo criador.
Com essa pequena intromissão minha, tu - leitor - já percebeste que Anabela não sofrerá eternamente nem precisará abdicar da vida para escapar à dor.
Não.
Não mais.
Provavelmente crês que eu estrago o final da história adiantando tudo isto, mas, na verdade, minha intenção é apenas ressaltar que a vida de alguém, quando narrada em terceira pessoa, soa sempre risível e patética.
PS.: Anabela batiza os seus dias apáticos com Earl Grey ao leite; porque há gosto para tudo, até para o gosto ruim.

terça-feira, 11 de março de 2008

Parasitas

Minúsculos, microscópicos.
Engolem, entopem, estragam.
Caminham em suas veias fazendo cócegas. Tatuam listras vermelhas na sua pele - que vêm acompanhadas de um comichão forte qual escabiose demoníaca. Tê-los é estar sentenciado ao suplício eterno; senti-los é adentrar o Tártaro.

Eles coçam; eles caçam.
Alimentam-se de suas células; matam-no de inanição; e digerem sua carcaça esfaimada putrefata.
Escalam suas artérias, deslizam em seus ventrículos, contaminam seus brônquios, nadam em seu cérebro. Quando adormecem, fazem-no em seu bulbo raquidiano. Acordam ainda mais sádicos e trituram seu hipotálamo com pequeníssimos dentes afiados.

É aí que você acorda, lívido, com olhos arregalados de espanto e o suor frio empapando sua face.
Foi só mais uma enxaqueca noturna.

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Alívio.

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Thaís de Carvalho está ficando caduca. Manda que vocês, leitores, culpem o vestibular. E esclarece aos familiares que NÃO quer fazer Medicina (NÃO QUER!).