domingo, 11 de janeiro de 2009

Duas manhãs de Abril

Foi com uma espécie de asco que descobriu que aquilo existia. Crianças que mais pareciam um esqueleto, só que negrinhas, cabeçudas. Os dentes branquíssimos e os beiços gordos, os olhos amarelos e cansados.
- Mãe, que é isso?
- São as crianças na África.
O choque era tanto que não conseguiu perguntar como elas carregavam a mochila da escola com aqueles braços fininhos.
Aos poucos virou uma obsessão vasculhar a revista em busca daquela imagem. Não, não podia estar lá ainda. Não podia ser verdade. E quando a encontrava, mudava logo de página, como quem vê uma obscenidade e tem medo de ser pego no flagra.
E a pergunta... As perguntas todas que desejava fazer lhe apavoravam. Achava a curiosidade sádica.

"Eu sou má".
Desejou poder ler aquelas letras todas.
Iludiu-se com a possibilidade de ser só um anúncio de um filme de horror.

Na Segunda a faxineira (negrinha, cabeçuda) dirigiu-se à sala de estar. Esbarrou na criança, que apavorou-se ao reconhecer na moça as características da foto.
- Você veio da África?
E a expressão confusa da mulher, a boca aberta, os olhos cansados, não deixaram dúvidas. Mesmo a moça negando, já não tinha jeito. A menina entendeu, na sua cabecinha imaginativa, que a negrinha era uma sobrevivente. Uma heroína. Com lágrimas nos olhos, abraçou a moça.
Um abraço úmido venceu a História.