quinta-feira, 28 de junho de 2007

A Lua

Ontem ao anoitecer, enquanto eu caminhava no caos tijucano de sempre, senti uma vontade imensa de escrever e olhei para o céu buscando inspiração.
Como ainda não era exatamente "noite", o céu tinha a cor do oceano. E lá, nesse mar celeste, entre umas poucas nuvens e estrelas, a lua cheia se erguia imponente e bela sobre todos os humildes pedestres que seguiam seu caminho feito máquinas, olhando (sem ver!) a vida terrena.
Era um verdadeiro quadro! E eu, como admiradora da noite que sou, empaquei diante de uma padaria para ver melhor. Sorri pro coelhinho lunar e pra primeira estrela da noite que surgia. Confesso até que lembrei do Pinocchio e fiz um pedido.
Mas as pessoas continuavam andando, insensíveis, algumas provavelmente me tomando por maluca ou coisa que o valha. A vida terrena seguia seu rumo e eu tive de seguir o meu; e a lua, tão perolada, tão luminosa, me fez perder a vontade de escrever. Porque ela por si só já era a própria poesia.

sexta-feira, 22 de junho de 2007

O que o meu lado gaúcho tem a dizer sobre o dia 24 de Junho

Saudade não é bem uma palavra triste. Na realidade, é alegre como o céu de uma segunda-feira de manhã: a gente sempre deseja poder voltar pra sábado, mas não consegue deixar de sorrir com o desenho das nuvens ao sol. É...é bem assim mesmo. As horas vão passando, vão passando...logo já é sexta-feira e a gente nem se deu conta. Mas céu nenhum repete o outro, não há nuvens idênticas (e de vez em quando chove).
Eis aí a mágica da fotografia. Muitas vezes me lembro de algo que aconteceu há tanto, tanto tempo, que não sei se é verdade ou se eu imaginei. Aí vem a fotografia, aquele segundo que durará décadas, e me mostra que a vida realmente é incrível.
(...)
Engraçado que os fatos especiais, quando distantes, parecem sonho. Quase tudo que se passou fora do Rio já virou sonho, principalmente Novo Hamburgo. Antes doía tanto lembrar...agora é tão maravilhoso!
Lembro da primeira vez que fui ao Ateliê dos Blauth. Fiquei encantada com a doçura daquela que, um dia, comecei a considerar minha avó, e com o talento, tanto dela quanto do "vô" e da Tia Sofia. Eles me ensinaram a ver o mundo de outra forma e eu nem sei se disse isso a eles antes de ir embora.
(...)
Nas tardes de inverno, Babi e eu sentávamos na clareira do sítio e comíamos pinhão quentinho. Quando a vó chamava para o chá, nos espichávamos todas na rede e bebíamos chimarrão. Eu não gostava muito na época, achava amargo. Agora penso que, se saudade tivesse gosto, seria de erva-mate.
(...)
Várias vezes viramos a noite com histórias de terror. Uma vez, inclusive, na noite da fogueira, berramos pelo Tio Paulinho porque tínhamos medo de voltar pra casa com os sapos que coaxavam no riacho. Nessa mesma noite, deitadas na grama-palha entre os pinheiros, olhamos o céu e vimos incontáveis estrelas. Foi o dia em que me apaixonei pela astronomia.
Naquele riacho, onde os sapos reinavam à noite, Babi e eu catamos peixes com miolo de pão e um escorredor de macarrão. O carpinteiro do Ateliê prometeu que ia trazer varas sem anzol, mas eu fui embora e nada de nada. Lembro que multiplicamos 7 vezes o número real de peixes que catamos, e a vó fingiu acreditar.
Outra coisa de incrível eram os cachorros: haviam tantos que nem sei se lembro. Meu preferido era um collie mestiço que quando pulava ficava do meu tamanho, bobalhão que só ele. O vô Ricardo dava de comer a eles toda manhã, com um daqueles sacolões enormes de ração.
(...)
Mas, dentre toda essa pacata vida de interior, não há nada que me dê mais saudade do que o caminho do colégio até a minha casa. Havia um ônibus só da Fundação (onde estudávamos), que tínhamos de pegar todo dia às 6:56, a um quarteirão e pouco de distância de casa (sim, morávamos em casas!). Sempre as mesmas pessoas esperavam conosco no ponto, mas nunca falamos com eles.
{Pauso minha reflexão: fato que os gaúchos são meio secos, mas mesmo assim eu os adoro.}
Continuo minha reflexão: O caminho de ida era chato porque o motorista ligava na rádio de pagode que todo mundo detestava, e acabávamos todos emburrados antes das 7:30. Mas na volta, quando Lucas e eu nos sentávamos, eu já procurava estar bem próxima da janela direita pra quando passasse na casa da Gil (a minha madrinha de consideração) eu poder acenar pra ela. Era infalível: todo dia ao meio-dia Gil parava na janela com sua cachorrinha poodle, a Nina, a tiracolo. Era só o ônibus passar que eu abria a janela e gritava: GIIIIIIIIIIIIIIIL! com toda a minha força; e de longe ela respondia com um sorriso e um aceno, que nunca mais se apagaram da minha memória.
Agora já respingo a página todinha de lágrimas, sou uma boba mesmo. De certa forma eu construí uma família por lá, uma família que não vejo há tantos anos que já nem sei se foi de verdade ou foi fantasia. Meus "avós" e sua arte, meu "tios" e seus conselhos, minha "irmã" e suas bizarrices, minha "madrinha" e os nossos filmes, minha locadora e os meus pôsteres...existiram?
Quando me encho de coragem, abro minha gaveta de lembranças e vejo todas as cartas, fotos e desenhos que eles fizeram quando houve a minha despedida. Foi o melhor e o pior aniversário que já tive. Aí, apesar do meu azar junino crônico, penso que todo dia 24/06 à noite as vozes do passado voltarão, meio abafadas por um choro de saudade, só pra dizer "Feliz Aniversário"; e de repente sou a pessoa mais sortuda desse mundo.

(Sintam-se honrados, acabam de ler um trecho do meu "diário")

segunda-feira, 4 de junho de 2007

Formigas

Eu estava congelada, às 10:40 da manhã, aproveitando ao máximo os poucos raios de sol que chegavam à arvore sob a qual eu me encontrava no pátio do colégio. Meus dedos pareciam estalagmites e minhas unhas sem esmalte estavam roxas quando a formiguinha vermelha subiu no meu joelho. Dizem que essas, quando picam, deixam ferida, mas nem liguei. A formiguinha tinha uma bunda estranha, comprida e amendoada, e anteninhas curtas. Andava do meu joelho para a minha perna, contrastando com o azul da calça jeans. Engraçado eu não sentir a presença do artrópode, de tão rápido e leve que era. Agora a formiguinha tornava a subir para o meu joelho parecendo desnorteada. Encostei a ponta da unha na minha calça e fui riscando a perna enquanto perseguia a formiga. Ela se aproximou da unha, curiosa, e depois fugiu. Como a bichinha é rápida! Parei de aporrinhá-la para que ficasse mais tempo ali, comigo. Havia agora uma outra formiguinha na minha mão - esta eu senti! - e o sol sumiu atrás de uma nuvem branca. Gelei em dobro; a formiguinha nº 2 desceu da minha mão. A nº1 continuava passeando pela minha calça, imperceptível não fosse a coloração berrante. Li uma vez na apostila de biologia que os aninais de cores fortes tendem a ser venenosos. Será que você é venenosa, companheirinha? Johnny Cash canta seus lamentos embriagados no meu ouvido ("everyone I know goes away in the end") e a nº1 parece redescobrir o caminho de casa. Vai descendo pela minha batata da perna (o que me faz lembrar alguma música infantil deveras suspeita sobre formigas, cócegas e coxas), escala o cadarço branco do meu tênis e se despede, remexendo a tanajura, justo na hora em que soa o sinal para voltarmos ao Tártaro estudantil.
Lamentei sozinha a morte das muitas formigas que esmaguei na vida sem querer querendo e pensei comigo que esta não tardaria a ser esmagada também - era só o ensino fundamental ser liberado.
Subi as escadas meio cabisbaixa com as conclusões a que Johnny Cash e a bichinha me levaram e sentei na carteira azul a tempo ainda de ouvir mais uma música.
Qual não foi minha surpresa quando, sobre a abstração da capa do meu caderno, surgiu uma formiguinha preta de bundinha engraçada...