quinta-feira, 31 de maio de 2007

Conto de fados

Ezequiel estava há anos perdidamente apaixonado pela menina ruivinha da casa da esquina. O pobre rapaz, cheio de esperanças, guardava sempre uma parte da mesada pra botar na poupança que montara para quando eles finalmente unissem suas escovas de dentes. Tinha tudo planejado: casariam, teriam 2 filhos, 2 filhas, 3 cachorros e 4 gatos; ele compraria um caminhão e viajariam todos país afora; depois venderia o caminhão pra comprar um barco, e viajariam todos mundo afora também.
O único problema no plano de Ezequiel é que...ele era apenas de Ezequiel. A moça ruivinha da casa da esquina de nada sabia, talvez nem mesmo da existência do rapaz, pois se haviam trocado quarenta palavras em todos esses anos de vizinhança, fora muito. Ou seja, as esperanças do nosso tímido e excêntrico jovem eram mínimas.
Ezequiel estava perdidamente apaixonado pela ruivinha da casa da esquina que não sabia que ele existia e com quem não tinha trocado nem meia centena de palavras.
Desesperado em seu amor platônico, o rapaz encaminhou-se à um renomado vidente que traçou seu mapa astral, viu as linhas de suas mãos e mediu em centímetros o diâmetro de sua cabeça por 35 patacas a meia-hora. Disse por fim que Ezequiel deveria procurar sua amada num prazo de cinco dias, antes que Marte se alinhasse com Vênus (porque aí era recusa na certa).
Durante quatro longos dias nosso Romeu às avessas se dedicou apenas à elaboração da conversa perfeita. "Tá, lá vou eu", pensou o jovem; e comprou um buquê tão grande de rosas vermelhas que encobria toda a sua visão. Foi caminhando pé-ante-pé até a esquina, parou na frente da porta e tocou a campainha:
"Din don"
Ouve-se o barulho de passos, o latido do poodle, as chaves sendo giradas.
-Pois não?
Com as flores tapando-lhe a face, Ezequiel não viu o locutor. E melhor seria se tivesse visto, pois teria lhe poupado o choque seguinte.
-É...o...vizinho. O vizinho da Jana. E-ela está?
-Pois sim. Vou chamar. Ô JÂÂÂNA!
É ela! É ela! E o eco ao longe suspirou - é ela! A ruivinha da esquina, de saia rodada, aproximou-se do vão da porta, beijou o autor do berro na boca e sorriu um sorriso de candura. Ezequiel - que passara os segundos entre o berro e a chegada da moça aperfeiçoando sua postura -, agora já via tudo com clareza. Via a ruiva, via a saia, via o beijo.
-Pois sim? - declamou a menina com a voz mais suave do que a brisa.
-Pois não. - repondeu Ezequiel virando as costas abruptamente e indo embora, deixando um rastro de pétalas rubras por onde passava.
Eis que fecha-se a porta da ruivinha. Eis que fecha-se a porta do coração de nosso "ex-futuro-chefe-de-família-promissor".
No mesmo dia, às 15:48h, Ezequiel tirou todo o dinheiro que tinha da poupança, e antes mesmo da meia-noite torrou todo ele e mais um pouco numa orgia de bordel.

domingo, 6 de maio de 2007

Babi e eu

...éramos exatamente assim!

Estrelando
Barbara Blauth como Susanita
Thaís Lopes como Mafalda
Susanita: -Quando eu crescer quero ter muitos vestidos!
Mafalda: -E eu muita cultura!
Susanita: -Se você sair na rua sem cultura a polícia te prende?
Mafalda: -Não.
Susanita: -Experimenta sair sem vestido.
Mafalda: ...
Mafalda: -É triste ter que bater em alguém que tem razão!
Créditos ao Quino e ao clubedamafalda.

terça-feira, 1 de maio de 2007

Livro, leite; leitura.

Vovó sempre dizia: "minina, u homi qui cumeu i garrolê morreu"; mas Mariana pensava ser lorota. Por isso, sempre que chegava o ventinho gelado do inverno, metia-se numa coberta e catava um romance da estante para ler regado à café-com-leite. Não há coisa mais gostosa nesse mundinho de Deus!
Especificamente nesse dia a Cecí fez biscoitos sequilhos para molhar no café, e o dia estava tão gostoso que Mariana se pôs a ler em voz alta que "o rapaz declarou à moça todo o seu amor."
Mas que beleza, todo o seu amor! O amor todo, todinho, só pra sortuda mocinha de laço de fita no cabelo e vestido de cetim. "Diabos, porque é que não se usam mais os vestidos de cetim?". Todo seu amor não é muita coisa!? Tanta coisa que chega a assustar um bocado!
E pra cada frase um gole de café, pra cada parágrafo um biscoito - enfarelou página após página, mas que pecado!
Acabou com ambos antes do fim do capítulo e antes de saber quão grande era 'todo o amor de alguém'. Foi à cozinha - as meias derrapando nos 'azugelos' -, marcando a página em que parara com o dedo médio, e encheu uma xícara de leite frio - porque estava aponquentada demais com a história para esperá-lo esquentar. Sentou-se à mesa da cozinha mesmo, os pés contraídos pela baixa temperatura, e tentou terminar o parágrafo. '...lhe juro,meu amor, amor eterno' e aquele bom e velho blablabla de nascimento de romance. Soou tão clichè que ela se desligou da fala do rapaz pra se concentrar na reação da moça. O quê? Ela aceitou? Ela acreditou? "Ahhh, pois hei de pegar outro livro, um pouco mais realista e com protagonistas menos imbecis. Quem sabe também esquento este leite, porque gelado assim está de matar."
Assim disse e assim fez: pegou qualquer coisa de Carlos Drummond, que à ela soou menos fingido, e esqueceu o leite no fogo - que transbordou, sujando 1/4 do fogão.
[MORAL DA HISTÓRIA: A realidade se torna menos ferina quando acompanhada de um copo de leite quente.]